Sexta-feira, 29 de Outubro de 2010
Antepassados da lancha poveira no Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Em Portugal desapareceram, mas no Brasil, sobreviveram. Refiro-me aos dois barcos que podemos ver nas fotos acima. As velas vermelhas são uma “canoa de pranchão” original, do Rio Grande do Sul no Brasil e a enorme vela branca é a réplica da lancha do alto, da Póvoa de Varzim, a "Fé em Deus". Quais as semelhanças entre estes dois barcos? Repare-se só por exemplo nas marcas pintadas à popa... . Mas basta ler os textos abaixo para perceber melhor um dos tesouros da cultura marítima que o Brasil felizmente guardou.

 

11-02-2010 - Estaleiro-escola restaura embarcação de 101 anos.

 

«O restauro da canoa Maria Antonieta, de 101 anos, que está sendo realizado no Estaleiro-Escola do Centro de Convívio dos Meninos do Mar (CCMar) há seis meses em Rio Grande, deve ser concluído ainda este mês. O trabalho é feito pelo construtor naval e professor do Estaleiro-Escola José Vernetti, junto com estudantes do CCMar.

A Maria Antonieta é uma canoa de pranchão, reconhecida como o primeiro modelo de embarcação tradicional propriamente desenvolvido em Rio Grande. E a direção do Centro e do Museu Oceanográfico da Furg está buscando mais informações sobre este tipo. Neste sentido, pede às pessoas que tiverem fotografias de embarcações deste modelo ou que tenham conhecimento dos modos de construção da época em que elas eram usadas na região e de suas tripulações, que façam contato com o estaleiro.

Conforme o diretor do Museu Oceanográfico e do CCMar, Lauro Barcellos, a intenção é obter informações que permitam uma compreensão maior do processo construtivo da canoa de pranchão e da importância que ela teve na região Sul do Estado na parte econômica e social. A Maria Antonieta é maior que as duas canoas deste modelo já restauradas pelos museus Oceanográfico e Náutico e o CCMar, visando ao resgate do patrimônio cultural náutico da região de Rio Grande. Tem 11,3 metros de comprimento. Foi adquirida de João Moreira Neto, de São José do Norte, pelo porto-alegrense Sérgio Alberto Neumann, que a doou ao Museu Oceanográfico. Após o restauro, ficará no píer da instituição com outros barcos.

Barcellos observa que a canoa de pranchão é um modelo único no mundo, pois só em Rio Grande os construtores navais utilizaram este engenhoso método. O casco era construído com pranchões de cedro de 2 polegadas de espessura, falquejados com a ferramenta enxó e fixados uns aos outros com pregos e cavilhas sobre um esparso cavername com três a cinco cavernas mestras. As pranchas eram recortadas e armadas. “É um método construtivo muito especial porque os construtores esculpiam as 49 peças que constituíam o casco e montavam simetricamente a canoa”, diz Barcellos.

 

Velas vieram de Portugal

Conhecidas como “pano poveiro”, as velas têm forma de trapézio, com verga, adequadas aos ventos da região. “Foram os pescadores portugueses que as trouxeram da Póvoa de Varzim e as adaptaram para a realidade do estuário da Lagoa dos Patos e litoral adjacente”, relata o diretor do Museu Oceanográfico, Lauro Barcellos. As canoas de pranchão foram utilizadas na pesca no estuário e área oceânica adjacente ao longo do século XIX até meados do século XX. Depois, elas foram substituídas por outros modelos. “Por volta de 1930, 1940, alguns patrões experimentaram adaptar motores de popa com longas rabetas em suas canoas, iniciando um processo de mudança sociocultural que se prolongaria nas décadas seguintes. Antigamente, algumas também transportavam produtos das chácaras de horticultores das ilhas próximas às cidades de Rio Grande e São José do Norte”, afirma Barcellos.»

 

por Silvana Losekann

 

 

21 Dez 2009 - Canoas centenárias de Rio Grande.


«Na semana passada a direção do Museu Oceanográfico da FURG, Rio Grande,RS, promoveu um passeio náutico até São José do Norte com duas canoas centenárias, restauradas pelos museus Oceanográfico e Náutico: a Centronave e a Tradição. As duas embarcações foram rebocadas até São José do Norte e de lá retornaram ao museu com o uso de suas velas. A Centronave, de 106 anos, e a Tradição, de 145 anos, são canoas de pranchão - embarcações tradicionais do Rio Grande. São duas das três embarcações deste modelo remanescentes no Município. A terceira é a Maria Antonieta, de 101 anos, que está sendo restaurada pelos aprendizes do Centro de Convívio dos Meninos do Mar (CCMar). Conforme o diretor do Museu Oceanográfico, Lauro Barcellos, somente aqui os construtores navais utilizaram este engenhoso método de construção. É um modelo único no mundo, belo, marinheiro, muito resistente e que, como outros modelos de embarcações que já tivemos por aqui, foram desaparecendo, de acordo com Barcellos. Na metade do século 19, chegaram a existir 563 unidades. A canoa de pranchão é extremamente marítima, com capacidade de carga de uma a dez toneladas, e era utilizada na pesca no estuário e na área oceânica. Pesam entre 2,5 e quatro toneladas. Apresentavam três velas trapezoidais com verga, adequadas aos ventos da região, conhecidas como "pano poveiro". Pescadores portugueses as trouxeram da Póvoa de Varzim e as adaptaram para a realidade do estuário da Lagoa dos Patos e litoral adjacente. Segundo Barcellos, são os barcos à vela mais antigos navegando no Rio Grande do Sul. "Essas canoas são típicas do Rio Grande, desenvolvidas especificamente para este ambiente. Se constituem em preciosidades náuticas que precisamos preservar para as futuras gerações", destacou.»


Fonte: Carmen Ziebell/Papareia; Fotos: Maria Amélia Marasciulo; Colaboração: Álvaro Lima Vieira - in Popa.com.br 

 

 

29 Dez 2009 - Comentário do Comandante Jorge Vidal sobre as Canoas Centenárias.

«Navegando no site do “POPA”, me deparei com a reportagem sobre as Canoas Centenárias da Cidade de Rio Grande, assim como também, assisti na televisão.

Como sabe o meu querido amigo que a minha origem é Rio Grande e como estou já com 77 anos de idade, portanto também, quase “centenário”, sirvo-me para comentar o seguinte: que talvez possa ser útil para teus leitores deste extraordinário site que é o “POPA”.

Vamos lá: Meu pai possuía em Rio Grande no “Saco da Mangueira”, na vila Junção aonde morávamos na beira da praia, uma canoa idêntica a estas centenárias que vi nas fotos. Pela idade que tenho e pelos anos que ele a possuía, acredito não deixa de ser também uma canoa centenária...

Foi construída em um pequeno estaleiro de ribeira na “Linha do Parque”, por um marceneiro português, que construía tal tipo de embarcação. Era de madeira nobre com fundo chato e pequeno “patilhão”, porém possuía somente um mastro, não tinha mezena, com velas de lona revestida com óleo de linhaça, tanto a grande como a buja. O mastro era um tronco de eucalipto, com pau a-pique, fixado numa plataforma sem estaiamento e com duas toleteras e um par de remos, para o caso de falta de ventos, coisa rara no Rio Grande, artisticamente moldados. A âncora era uma “fateixa” e os cabos totalmente de sisal. Ela media aproximadamente 10 metros, seu leme era removível com ferragem de cobre no espelho de popa, com uma cana bastante comprida.

Naquela época pelos idos de 1940, pois nasci em 1932, às pequenas embarcações não eram registras na Capitania e sim nas Colônias de Pesca, que eram identificadas por “Zonas” (zona 1, zona 2, zona 3 e assim por diante), mas me recordo do seu nome, que foi escolhido pela minha mãe; chamava-se “NOVO HORIZONTE”.

Nós a utilizávamos para o transporte de cebola, junco e outros materiais, entre o Saco da Mangueira, Ilha dos Marinheiros, Ilha da Torutama, Rio Grande e São José do Norte. (vide capitulo 1 do livro de minha autoria “Conta Todas Vovô! Velejando e Contando Historias” e comentários do prefaciador do livro).

Sirvo-me destas informações para que seja acrescida a história das Canoas Centenárias de Rio Grande. Com o passar dos anos não posso afirmar se ela ainda existe e aonde se encontra, pois seguindo “Novos Horizontes” quando ainda rapaz, me mudei da Cidade de Rio Grande para Porto Alegre e nunca mais soube noticias daquela embarcação.»

 

Jorge Vidal - in Popa.com.br

 

Estas canoas, apresentam características antigas anteriores à forma actual da lancha poveira. Em princípios do séc. XX desapareciam na Póvoa as grandes lanchas com 2 mastros (que as canoas mantêm) e as proas tornavam-se mais lançadas. As canoas têm precisamente as proas antigas, mais a direito como na Galiza, e a relação comprimento / largura mostrando um barco alongado. Assemelham-se por exemplo às antigas traineiras de Vigo, com duas velas, que seriam adquiridas por pescadores de Peniche nos inícios do séc. XX (última foto). Apesar da natural adaptação dos barcos para as necessidades das terras brasileiras, as características antigas mantiveram-se até hoje. Só tenho pena de não lhes poder vislumbrar as características do interior.

Recomendo a visita aos links do Popa.com.br nos artigos acima, pois incluem várias outras fotos destas canoas.

 

imagens da lancha do alto “Fé em Deus” – Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim

traineira de Peniche - Museu de Marinha, Lisboa



publicado por cachinare às 08:04
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3 comentários:
De Carlos Carvalho a 31 de Outubro de 2010 às 02:41
Atrevo-me a perguntar: Será mesmo correcta a informação de a canoa de pranchão ser uma embarcação filiada nas lanchas poveiras?
Pelo que posso observar nas fotos, a canoa tem popa aberta, ou de painel, ao contrário das lanchas poveiras e xeiteiras que são barcos de duas proas.
O facto de existir decoração com as tipicas marcas de familia das lanchas poveiras não pode ser tomado como referência para as classificar como filiadas na mesma família.


De Rodrigo Torres a 31 de Janeiro de 2014 às 18:46
Prezado Carlos, eu participei da reconstrução e pesquisa sobre as canoas de pranchão em Rio Grande. De fato, me restam muitas dúvidas sobre a filiação, não muito no que tange ao velame, mas certamente ao casco. A forma não é a mesma, como observastes, nem tão pouco modo de construção, sendo a canoa de prancão uma construção do tipo casco-primeiro, com poucas cavernas. Todo o desenho vêm da escultura e montagem dos pranchões. Não tenho encontrado, nestas andanças da vida, nada em Portugal a que possa filiar este modo construtivo. Alguma ajuda? Abraço.


De Carlos Carvalho a 1 de Fevereiro de 2014 às 13:21
Olá Rodrigo
Curiosa essa informação sobre o método de construção tipo "shell first", normalmente associado a cascos de origem no norte da Europa. Interessante é também o facto de algumas embarcações do Indico tambem serem construidas com pouquissima estrutura interna, mas as tabuas são encostadas a topo (carvel built), mas neste caso são cosidas e não pregadas.
Em Portugal só temos (tínhamos...) cascos de tábua trincada entre os rios Minho e Douro, e são nitidamente de tradição norte da Europa, perdida nos seculos e de dificil determinação da sua origem.
Eu estudo a fundo as embarcações portuguesas e estou a preparar um livro com mais de 300 embarcações de mar e de rio, pesca e transporte.
As embarcações brasileiras interessam-me muito, mas tenho pouca informação.
Para além da que me tem sido fornecida pelo meu colega Edson Fogaça (UNESCO-Brasilia) que tem um projecto de recolha e catalogação em parceria com o Estaleiro Escola de s. Luiz do Maranhão (Luiz Phelipe Andrés, querido amigo também).
Tenho umas publicações do Aim Alves Camara e o que o Edson tem publicado. Tambem tenho o Smarcevski, sobre o graminho e os saveiros.
Esta embarcação tem levantado muita polemica sobre a sua origem e metido construtivo, pois presumo filiar-se em metodos trazidos para o Brasil por construtores indianos de Goa. Será?
Em resumo, nunca encontrei raizes portguesas em embarcações brasileiras, mas nunca se sabe.
E os holandeses? tambem andaram por essas paragens, e talvez tenham influenciado alguma coisa na arte de construção naval.
A vela que referes sendo do tipo poceiro, é o que chamamos de "mizaine bretonne". É uma vela de pendão, ao terço.
As velas nunca me apaixonaram muito, pois as adaptações que se fazem muitas vezes baralham um pouco as saus origens.
Cada grupo étnico usa a que melhor manobra, e podemos encontrar cascos iguais com velames diferentes. Tal era o caso dos pescadores do bacalhau, que usavam nso seus doris a vela que melhor conheciam e manobravam.
Tudo isto,é do maior interesse e terei imenso gost em continuarmos esta conversa construtiva.
Podes usar o meu mail
terralonge@gmail.com
que talvez seja mais pratico do esta janelinha do blog do meu amigo Antonio Fangueiro, um enorme entusiasta das embarcaçoes portuguesas, sobretudo da Povoa. Ele tambem está comigo nesse projecto de livro sobre os barcos portugueses.
Abraço amigo
Carlos Carvalho


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