Quarta-feira, 2 de Dezembro de 2009
Matosinhos - O Grande Naufrágio de 1947.

«O dia 1 de Dezembro de 1947 nasceu encoberto e sombrio embora não chovesse nem houvesse grande vento. As traineiras começaram a chegar mas o peixe que traziam era escasso. A meio da manhã, no entanto, entra em Leixões uma traineira carregada de sardinha. Os mestres das embarcações, perspectivando sucesso, decidiram então chamar as suas tripulações e mandar aprovisionar os seus barcos para outra saída.
Durante a tarde, com bom tempo, saíram de Leixões 103 traineiras para a faina. Rumaram a Sul, em direcção ao mar da Figueira da Foz.
Passadas algumas horas, subitamente, o tempo muda. As embarcações vêem-se envolvidas num imenso temporal. As ondas cavam abismos no mar e elevam-se, qual montanhas, ameaçando destruir a frota. O vento roda para NW e o ar arrefece cada vez mais. Cai a noite, escura, sem lua visível. Nuvens carregadas de chuva tapam o céu. Os ventos manifestam-se em rajadas ciclónicas. O mar brame cavernosamente, como que exigindo o sacrifício de inocentes. Os motores e máquinas das traineiras são esforçados ao máximo, em busca de porto de abrigo.
Já noite, com a luz da manhã ainda longe, em terra, sentem-se murmúrios, soluços incontidos, pessoas a correr em direcção ao areal da praia nova, em Matosinhos. São as mulheres e os filhos, os pais, a família em busca dos seus. Sabiam que algo ia mal. Era grande a angústia e o desespero.
Na cabeça do molhe sul do porto de Leixões as pessoas apinham-se na esperança de ver entrar as traineiras. Ao longe vislumbram-se luzes de navegação; eram barcos que procuram conseguir encontrar um caminho para chegar a bom porto.
Começam a chegar, com muitas dificuldades, as primeiras traineiras que se conseguem salvar. As notícias não são boas.
Foram avistadas 4 traineiras a navegar muito perto da costa, entre a Aguda e o Senhor da Pedra (Vila Nova de Gaia), em situação aflitiva. Eram a “D.Manuel”, a “Rosa Faustino”, a “São Salvador” e a “Maria Miguel”. Alguns mestres de traineiras, com as suas sirenes, com sinais, até com gritos, tentaram orientá-los para conseguirem sair daquele perigoso local, mas a violência do temporal impediu-os de serem bem sucedidos.
O ambiente estava envolto num pesado e sinistro luto. As pessoas gritam sem se verem umas às outras, e correm, desnorteadas, de um lado para outro, sem objectivo definido.
Decorrido algum tempo chegam as fatídicas notícias: as 4 traineiras em dificuldade naufragaram. Em outras, homens caíram ao mar, desaparecendo para sempre.
Faleceram 152 tripulantes.
Pais, filhos, irmãos foram assim subtraídos à sua família, levando a dor e a desolação a centenas de lares humildes de pescadores, deixando 71 viúvas e 152 órfãos.
O luto instalou-se em Matosinhos, em Espinho, na Murtosa, na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde.»

 
Por Nuno Marques Garrido – MarForum, 21 de Maio de 2007.
 
 
«Assinalando 60 anos passados sobre a trágica madrugada de 1 para 2 de Dezembro de 1947 vai a Câmara Municipal de Matosinhos e a Junta de Freguesia proceder ao lançamento de um livro, na Capela de Santo Amaro, da autoria do Prof. A. Cunha e Silva e de Belmiro Galego, no próximo dia 2 de Dezembro pelas 10horas da manhã. Este livro é o fruto de uma aturada investigação de um Leceiro e de um Matosinhense, dedicados à sua terra, à sua gente e ao seu património; que percorrendo várias bibliotecas e inúmeros jornais e revistas coligiram e dão a conhecer, os relatos feitos na época dessa medonha madrugada em que o mar tão repentinamente se levantou e levou 152 pescadores, que no regresso da sua faina já não chegaram ao seio dos seus familiares que, como de costume, os esperavam na praia. Foi na realidade uma negra e sinistra madrugada essa a de 2 de Dezembro de 1947, em que naufragaram entre Aguda e Leixões quatro traineiras: a “D. Manuel”, a “S. Salvador”, a “Maria Miguel” e a “Rosa Faustino”, tendo perecido 152 homens sem a menor hipótese de que alguém lhes valesse.
As traineiras da praça de Matosinhos haviam saído para o mar, como habitualmente, às dezenas, apesar de haver vários prenúncios de temporal, pois para os pescadores o espectro da fome sempre se sobrepôs ao medo e sempre fez com que esses valentes e ousados lobos do mar galgassem as ondas saindo a barra, para quantas vezes não mais voltarem!
Há casos fantásticos, como o daqueles três homens que no reboliço da traineira “D. Manuel”, com o espectro da morte à sua frente, foram arrojados à praia do Cabedelo, procurando ajuda numa das pobres casas aí existentes; ou aqueles dois outros que depois de terem sido roubados de bordo com outros dois camaradas, foram de novo lançados para dentro da traineira, e um dos que o mar não devolveu, mantendo-se agarrado a uma tábua, teve a sorte de por ele passar uma traineira que lhe lançou uma bóia, a qual enfiando-se-lhe milagrosamente pela cabeça, o salvou, ou ainda aquele outro que a bordo da traineira “Rosa Faustino”, passando com terra à vista, se lançou ao mar nadando até à exaustão sendo recolhido das ondas, salvando-se com outros dois arrojados à praia pelo mar!
Deste modo, de quatro companhas das quatro traineiras afundadas, apenas se salvaram seis camaradas em tão horrorosa tragédia marítima que enlutou não só a costa nortenha mas praticamente toda, de norte a sul, não havendo memória de catástrofe maior, a qual, para além daqueles que levou, deixou também muitas viúvas e órfãos mergulhados na dor e na desolação.
O livro “O Naufrágio de 1947” será assim um elevado preito de homenagem da Câmara Municipal, da Junta de Freguesia, dos autores, mas não só, pois será também o reconhecimento por todos aqueles que assistirem ao lançamento, que recordarão muitos daqueles que se sacrificaram pela elevação e desenvolvimento desta nobre cidade de Matosinhos – Leça.»
 
Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" - Ano LIV - Número 8 - Novembro de 2007
 
Esta obra intitulada “Naufrágio de 1947 – Toda a Saudade é um Cais de Pedra”, já editada há cerca de ano e meio, é um dos melhores exemplos à memória de quem sofreu com esta tragédia até aos dias de hoje. Este foi o maior naufrágio de que os pescadores têm memória, o qual marcaria a vida dos pescadores e das comunidades piscatórias de todo o país, em especial do Norte. A sua aquisição é quase óbvia para quem se interessa pelo mar e por quem teimosamente nele se mete... merecendo sempre a nossa admiração e estatuto superior ao que têm hoje.
Este naufrágio ficou na memória pelo terrível número de homens que pereceram, tal como o também conhecido naufrágio à entrada da Póvoa de Varzim em 27 de Fevereiro de 1892, perecendo 105 pescadores em 8 embarcações. No entanto, poderia encher-se uma biblioteca inteira com as centenas de naufrágios de que já ninguém fala. São em especial esses “esquecidos” que mais merecem investigação e memória representativa, no imenso universo piscatório.


publicado por cachinare às 08:12
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16 comentários:
De Anónimo a 4 de Dezembro de 2009 às 22:15
Nesse Ciclone de Dezembro de 1947, também meu pai lá andava.
Apesar de miudo, lembra-me de o ouvir contar, que quando algumas traineiras já vinham a fugir ao tempo, eles ainda saíam para o mar.
Pescava então, na Nª Srª Auxiliadora e andou tempos com os braços pisados, por quando da arribada, ter vindo agarrado à gaiuta, a fim de não ser levado pela borda fora.
O ano passado, estive no Salão Nobre da Câmara de Matosinhos, no lançamento do livro do Naufrágio, que
faz parte da minha biblioteca.
Quanto sei, ainda temos um sobrevivente em Vila do Conde, a quem brevemente espero ter a oportunidade de entrevistar, no âmbito da Celebração da Cultura Costeira, em boa hora patrocinada pela Mútua dos Pescadores, entre outos.
Aos que pereceram, que descansem em paz.

Albino Gomes


De Jade Phillips a 3 de Dezembro de 2015 às 00:38
Boa noite :)
O meu namorado é bisneto do Mestre Manoel Cunha Folha Malhalassa ", que encontrava na traineira S.Salvador , acompanhado pelo seu filho de 16 anos António Cunha Folha. Ele está sempre a procurar informação sobre o que aconteceu, pois sua avó é a única filha ainda viva do Mestre.

Eu gostaria de saber se alguem tem uma cópia ou sabe de alguem com uma cópia do livro que eu possa comprar, como o senhor disse que faz parte da sua coleção provavelmente sabe de como eu poderia arranjar uma cópia.

Espero pela sua resposta, obrigada
Jade Phillips


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