Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008
O caíque de Olhão “Bom Sucesso” rumo ao Brasil.
Os caíques, presumivelmente sucessores das caravelas, eram embarcações velozes e de grande resistência cuja principal função era a pesca e encontravam-se distribuídos pela costa do Algarve, em Setúbal e em Lisboa. Tinham também funções de cabotagem, transportando mercadorias na costa Portuguesa e dentro do Mediterrâneo em vários portos até à Grécia, havendo mesmo registos de uma viagem a Odessa no Mar Negro para carregar cereal no séc. XIX.
Este artigo centra-se mais precisamente no caíque utilizado no Algarve, mais concretamente no da comunidade piscatória de Olhão, pois esta “simples” embarcação de pesca fez parte de um feito memorável na história de Portugal.
Foi por alturas das invasões Francesas que Olhão acabaria por se afirmar, deixando de ser apenas um Lugar piscatório. Em Outubro de 1807 as tropas de Napoleão iniciam a invasão de Portugal com o apoio Espanhol, passando a dominar o país de Norte a Sul. No Algarve, é em Faro que as tropas invasoras instalam o seu posto de comando.
É a 16 de Junho de 1808, à porta da Igreja Matriz de Olhão, onde o povo se havia reunido, que a tropa invasora afixando um edital convidando os Portugueses a fazerem causa comum contra Espanha, (sua anterior aliada e agora traidora) que o Coronel José Lopes de Sousa, rasgando o edital, grita ao povo em desafio por uma atitude. O povo solidarizando-se com ele, inicia a revolta contra os Franceses e nessa própria tarde se sabe em Faro dos acontecimentos de revolta em Olhão.
Os Olhanenses apenas armados com algumas espadas velhas, espadins, umas poucas espingardas, forcados, fisgas e pedras, foram de encontro ao inimigo fazendo-lhes espera na ponte de Quelfes. Lá deu-se início ao combate que acabaria por derrotar os invasores da povoação.
Esta rebelião deu início a uma sequência de revoltas por todo o Algarve e pelo país fora. Muitas das populações de outras tantas localidades oprimidas, agora motivadas pela coragem Olhanense, seguiram o seu exemplo e em pouco tempo os Franceses foram forçados a retirar para o Norte.
A família Real Portuguesa encontrava-se nesta altura exilada no Brasil, fugida antes da chegada das tropas Francesas a Portugal. Foi então que em Olhão, pescadores desta terra impulsionados pelo acto de coragem das suas gentes e pela queda em geral dos Franceses, decidem rumar ao Brasil num caíque de nome “Bom Sucesso” para dar a boa nova ao Príncipe Regente Dom Pedro de que os invasores se encontravam em debandada e o Reino dos Algarves era livre. Estes pescadores, apenas habituados a navegação costeira, fizeram-se ao mar em Julho de 1808 guiando-se pelas estrelas, correntes e um par de mapas rudimentares  e após dois meses de viagem chegam ao Brasil a 22 de Setembro. Durante a viagem fizeram curta escala na Madeira e depois perdendo o rumo, acostaram no território inimigo da Guiana Francesa em Caienae e depois disso em Pernambuco, terminando no Rio de Janeiro.
Foram recebidos pelo Príncipe com todas as honras e a própria travessia do Atlântico acrescentou à revolta vitoriosa um novo episódio de audácia e de heroísmo Português. Tamanhos feitos valeram ao então apenas Lugar de Olhão a elevação à categoria de Vila agora com o nobre título de Vila de Olhão da Restauração.
Todo este episódio foi tão importante que passados muitos anos, há registo de em 1841 o caíque ser ainda visitado por inúmeras pessoas do Rio de Janeiro que ficavam admiradas com o pequeno tamanho da embarcação, atracada na Ilha das Cobras.
Sobre as características desta embarcação do tipo caíque, Manuel Domingos Terramoto, na Revista «Jornal do Pescador» nº 298, de Novembro de 1963 escrevia assim: “Barco de cerca 18 a 20 metros de comprimento e aproximadamente 6 metros de boca. Coberta corrida, popa quadrada e a proa era direita, com dois mastros, um deles inclinado para vante (frente) e outro para ré (atrás), onde se cruzavam duas velas «bastardo», sendo a da frente ou «traquete» um pouco maior que a da ré. Estes barcos eram tripulados por cerca de 15 a 20 homens. Estes pescadores tinham cada um uma cana com cerca de 2 a 3 braças de fio e um anzol. Era desta forma que faziam as suas pescarias até encherem o barco. A temporada de pesca ia normalmente de Abril a Setembro.
Os pescadores iam nos caíques até aos mares de Larache (frente da costa Marroquina), onde se dedicavam à pesca da cavala, que naquela altura abundava no mar de Marrocos, mas que era escassa na nossa costa. A cavala assim que era pescada, era imediatamente salgada. Estes pescadores usavam aparelhos com cerca de 20 braças de comprimento e somente um estralho com um único anzol, tendo uma chumbada na sua extremidade e o estralho era forrado doutro fio muito fino denominado «louro», muito resistente, para que o peixe não o cortasse. Para a pesca do «atacado», em que pescavam chernes, safios, peixe-espada e pescada, usavam esta pesca quando avistavam grandes cardumes de peixe junto à pedra. Esta pesca era feita de Outubro até à Quaresma. Quando o peixe era pescado em demasia, este era transportado para Lisboa. A cavala mesmo apanhada em abundância era trazida para Olhão, uma vez que era consumida em elevada escala, depois de ser conservada pelo sal durante meses; outra parte era também transportada para o Norte, onde este peixe atingia um elevado valor.
Existiam cerca de 34 caíques da pesca do alto mar em Olhão na época de 1905, com cerca de 21 tripulantes em média, além de existirem muitas outras embarcações de tipos diferentes.
Actualmente (em 1963) no nosso porto de pesca, existe apenas uma reminiscência do caíque no barco «Maria da Encarnação» do falecido mestre Carlos Augusto Cativo, conhecido por Balé-Balé, que morreu à entrada da barra, quando foi arrebatado do leme que governava.”
 
Faz pois este ano 200 anos que gentes de Olhão dão início à revolta e pouco depois humildes e bravos pescadores da mesma terra se fazem ao mar aberto. Para assinalar o aniversário, existe o projecto e vontade de fazer a mesma viagem de travessia do Atlântico numa réplica exacta do caíque, também de nome “Bom Sucesso” por iniciativa da Câmara Municipal de Olhão.
Esta réplica mandada construír pela autarquia em 2002 tem o comprimento de 18,00m, boca de 5,55m, pontal de 1,90m, tonelagem de 26,00 T e como meio de propulsão apresenta duas velas latinas com 150 m2 de área vélica, dispondo ainda de um motor auxiliar de 160 H.P. Está registada na Capitania do Porto de Olhão como embarcação de recreio, passeando turistas pela Ria Formosa e mantendo alguma memória do passado piscatório viva.
Hoje Olhão é cidade, mas no seu brasão continuará para sempre representado o caíque e o feito que contribuíu para a Restauração.
 


publicado por cachinare às 11:29
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