Quarta-feira, 23 de Abril de 2008
“C.A. Thayer”, bacalhoeiro do Pacífico.
Durante o meio século entre a Guerra Civil Americana e a I Guerra Mundial, o comércio de madeira na costa do Pacífico tornara-se numa das maiores indústrias marítimas do mundo. As cidades e vilas do Oeste estavam a crescer e a maior parte da madeira para a sua construção era embarcada no Norte da Califórnia e no noroeste do Pacífico em navios à vela especificamente desenhados para esse comércio. Estas eram embarcações com grandes e desobstruídos porões e com a estabilidade necessária para transportarem metade da sua carga em cima do convés.
Antes do fim desta Era, os estaleiros navais das baías de São Francisco, Humboldt e Coos, do Porto de Grays e da Sonda de Puget tinham lançado à água cerca de 80 bergantins, 300 escunas de três e quatro mastros e para mais de 500 escunas de dois mastros. Desta grande frota, somente o “C.A. Thayer” e o “Wawona” sobrevivem em memória daqueles tempos.
O “C.A. Thayer” é uma escuna típica da costa Oeste. Com as mesmas medidas do “Wawona”, 50 metros de comprimento, 11 de boca e 3,5 de calado. Em dimensões, está entre as antigas escunas de dois mastros que transportavam madeira de sequóia desde a costa de Mendocino e as grandes escunas de cinco mastros construídas ao virar do século com capacidades para 2 milhões de pés de madeira. O “C.A. Thayer” foi construído pelo afamado construtor naval da Baía de Humboldt Hans D. Bendixsen em 1895 e foi a 28ª escuna de três mastros a sair da sua carreira. Hans Dietler Bendixsen, natural da Dinamarca, era Mestre de Construção Naval na Baía de Humboldt e desenhou inúmeros veleiros de transporte de madeira, sendo uma das mais notáveis figuras da história marítima da costa do Pacífico. Entre 1875 e 1901, lançou 50 escunas de três e quatro mastros do estaleiro de Fairhaven e durante a sua vida foram 115 embarcações de vários tipos.
Os proprietários do “C.A. Thayer”, a E.K. Wood Company, construíram-no para o transporte de madeira de abeto de Douglas da sua serração de Hoquiam, Washington para São Francisco. Sendo uma das suas primeiras embarcações, era mais uma das típicas escunas que faziam a ligação entre as florestas e serrações do noroeste com as florescentes e ávidas por madeira cidades de São Francisco e Los Angeles. A madeira com a qual se construíu São Francisco, Los Angeles e São Diego veio maioritáriamente das florestas do Oregon e Washington. Entre 1870 e 1905 escunas cada vez maiores, construídas com este mesmo abeto de Douglas, transportaram os biliões de pés de madeira consumida na construção da Califórnia.
Embora o porto de registo do “C.A. Thayer” fosse São Francisco, Hoquiam era a sua base principal durante os seus anos de navio mercante, onde se situava a maior serração da companhia. A carreira do navio quase acabou na manhã de 8 de Novembro de 1903, quando mares de temporal lhe destruíram o leme e levaram a escuna sem rumo para a entrada do Porto de Grays. Pelo anoitecer toda a tripulação foi trazida para terra pelos serviços salva-vidas, abandonado a embarcação ao que parecia ser a destruição certa. No entanto um mês depois foi posta de novo a flutuar e rebocada através da barra em segurança para a baía de Hoquiam.
A partir de 1912, o “C.A. Thayer” juntou-se a uma das últimas grandes frotas à vela do mundo transformando-se em paquete de salmão do Alaska. Esta frota suportava bandeiras de várias companhias, grandes e pequenas. Dúzias de veleiros que haviam sido forçados a abandonar as rotas mercantes do mundo em favor dos generalizados vapores, encontraram uma nova carreira velejando para o Alaska a partir de São Francisco, do Rio Columbia e da Sonda de Puget.
Estes navios serviram de transporte ou paquetes, para homens e mantimentos e pelo Outono transportavam de volta a produção das conserveiras e zonas de salga do peixe.
“Whitehead Pete” Nelson, operador nas salgas de salmão do Alaska, comprou o “C.A. Thayer” nos inícios de 1912 e todas as Primaveras até 1924, transportou homens e mantimentos para as salgas em Igushik e Squaw Creek na Baía de Bristol, regressando pelo Outono com a produção do ano de salmão salgado.
Quando Peter Nelson vendeu as suas salgas no Alaska, J.E. Shields andava à procura de uma escuna barata para a sua Companhia de Pesca do Bacalhau da Costa do Pacífico. Em 1925, adquiria o “C.A. Thayer”, que se encontrava no estuário de Oakland parado. Shields carregou o navio com sal e velejou para a sua nova morada no porto de Seattle. Foi-lhe instalado um amplo castelo de proa de modo a acomodar mais de 30 pescadores num cruzeiro de mais de 5 meses. No convés iam pilhas de dóris aninhados para os pescadores.
O “C.A. Thayer” velejou de Seattle rumo ao Mar de Bering a 26 de Abril, sob o comando do Capitão John Grotle. Regressaria desta primeira das 12 campanhas que fez a 18 de Setembro com 256.000 bacalhaus, a maior apanha da frota de escunas do noroeste. Em 1931, no final da sua 7ª viagem, o Capitão Grotle fez o “C.A. Thayer” regressar com a apanha recorde de 302.000 bacalhaus. O sucesso desta estação induziu Shields a substituir o navio por uma escuna ainda maior, a quatro-mastros “Sophie Christenson”. O “C.A. Thayer” seria retirado de serviço durante um década, permanecendo no Lago Union em Seattle.
O Exército dos E.U.A. requesitou a escuna parada em 1942, removeu-lhe os mastros, reparou o casco, converteu-a num armazém para munições vazias e rebocou-a para Prince Rupert na Columbia Britânica. Depois da guerra, o Capitão Shields reaveu o “C.A. Thayer” do Exército, re-aparelhou-o e mandou-o de novo para a pesca do bacalhau no Mar de Bering por mais 5 anos. Quando o navio regressou da sua última viagem ao Norte em 1950, comandado pelo filho de Shields, era o último navio à vela em uso activo no comércio na costa do Pacífico e um anacronismo solitário numa indústria que já não dava lucro.
Na foto 3 datada de 1948, vê-se uma das particularidades na evolução da pesca ao bacalhau no Mar de Bering no modo como os dóris eram aparelhados. Eram dóris que possuíam motores fora-de-bordo, com protecções armadas à proa contra o spray do mar, uma grande inovação quando comparado com os tradicionais dóris a remos e à vela. No entanto, esta “modernização” manteve os métodos de pesca e a vida dos pescadores que em 1948 nada tinha de diferente da de 1878.
O bacalhau salgado, antigo elemento dos povos marítimos da Europa do Norte e Oeste, decaíu rapidamente em popularidade com a revolução da comida processada dos tempos modernos. Em 1953, o “C.A. Thayer” via a sua última carga de bacalhau ser processada na doca e percebia-se que tal nunca mais se repetiria, nem voltariam as escunas bacalhoeiras à vivacidade dos preparativos de Abril com a azáfama nos portos, ou às docas de Seattle para carregarem centenas de toneladas de sal, embarcar as suas tripulações a bordo e serem rebocadas através dos Estreitos de San Juan de Fuca, rumando a um cruzeiro de 6 meses no Mar de Bering.
Em 1957 o “C.A. Thayer” foi adquirido pelo Estado da Califórnia. Após um restauro preliminar em Seattle, uma tripulação de voluntários levou-o para São Francisco onde o Museu Marítimo de São Francisco levou a cabo extensivas reparações e reaparelhagem, abrindo o navio ao público em 1963. A embarcação foi transferida para o National Park Service em 1978 e designado Marco Histórico Nacional em 1984. Após 40 anos como navio-museu, o “C.A. Thayer” foi de novo restaurado o que desde 2004 levou 3 anos e resultou que tivesse saído do seu ancoradouro e colocado dentro de um hangar de aviação marítima (foto 4). Aproximadamente 80% do madeirame do navio foi substituído com madeiras iguais às originais. A 12 de abril de 2007 o navio voltou ao seu local no Hyde Street Pier e pode considerar-se como um dos navios clássicos à vela com mais sorte no mundo. Foram gastos cerca de 15 milhões de dólares no seu restauro.
Tal como com o “Wawona”, a Biblioteca do Congresso Americana terá nos seus arquivos os planos detalhados do “C.A. Thayer” digitalizados.
Fotos antigas de San Francisco Maritime Park.
Fotos de restauro de Searoom SF.
 
Links de interesse:
 
Várias fotos antigas sobre o navio.
Colecção de fotos sobre o restauro do “C.A. Thayer”.


publicado por cachinare às 17:43
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