Quarta-feira, 3 de Março de 2010
Promontorium Sacrum.
«Teve início, no passado dia 19 de Janeiro, a Viagem de Volta ao Mundo do Navio Escola “SAGRES”, que conta com o importante apoio da Câmara Municipal de Ílhavo, numa oportunidade única de promover além fronteiras os Valores e a Cultura do Município que tem “O Mar por Tradição”.
Em parceria com a A.I.B – Associação dos Industriais do Bacalhau, a Câmara Municipal de Ílhavo faz parte do leque das 18 entidades patrocinadoras desta Volta ao Mundo Sagres 2010, a maior viagem de todos os tempos do Navio Escola que este ano comemora o seu 73.º aniversário.
Partindo do Cais da Alcântara, em Lisboa, e até ao dia 23 de Dezembro de 2010, o NRP Sagres, verdadeiro Embaixador de Portugal no Mundo, vai fazer escala em 18 Países (Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, México, EUA, Japão, Coreia do Sul, China e Macau, Indonésia, Timor-Leste, Singapura, Tailândia, Malásia, Egipto e Argélia) num total de 339 dias de viagem, 241 dos quais de navegação e 98 em portos, percorrendo ao longo destes onze meses de viagem 35.800 milhas náuticas.
Esta iniciativa, que já não se realizava desde 1983/84, tem como principal objectivo satisfazer interesses políticos, diplomáticos, culturais e económicos de Portugal, proporcionando o Treino de Mar para os Cadetes do 2.º Ano da Escola Naval, assim como a participação da sua tripulação em diversos eventos, em especial a EXPO Xangai 2010 e o Encontro e Regata Internacional de Grandes Veleiros – Velas Sudamérica 2010.
Tendo em conta esta grande oportunidade, e dada a excelente relação que o Município tem com a Marinha Portuguesa, é com enorme privilégio que a Câmara Municipal de Ílhavo se associa a este evento, usando como “Bandeira” o Museu Marítimo de Ílhavo e como entidade parceira a A.I.B, que forneceu os 2200 kg de Bacalhau que o NRP Sagres vai levar na sua terceira Volta ao Mundo.
Ao colocar o Município de Ílhavo nesta Viagem de Circum-Navegação daquele que é o mais emblemático Navio da Marinha Portuguesa, a Câmara Municipal de Ílhavo reafirma a sua aposta na promoção e afirmação do nosso Município como ponto turístico e destino privilegiado para todos os amantes do Mar, tendo como principal “Embaixador” o Museu Marítimo de Ílhavo, que encerra em si toda a História, Valores e Cultura desta Terra, Capital Portuguesa do Bacalhau.
O Navio-Escola "Sagres" simboliza a secular ligação dos portugueses ao mar tendo-se tornado um dos maiores embaixadores do seu espírito aventureiro. Pertencente a uma notável geração de veleiros da marinha alemã a barca Sagres foi construída em 1937, fruto da mestria dos estaleiros Blohm & Voss (Hamburgo), tendo sido baptizada com o nome "Albert Leo Schlageter".
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o “Albert Leo Schlageter”, danificado durante o conflito, foi apresado pelas forças americanas e vendido ao Brasil três anos depois adquirindo o nome “Guanabara”. Comprado por Portugal no ano de 1962 para substituir o anterior N.E. "Sagres”, também ele um ex-navio alemão, o "Rickmer Rickmers", actualmente transformado em unidade museológica., o actual N.E. “Sagres” não mais deixou a Marinha Portuguesa. Enquanto navio-escola da marinha portuguesa tem como principal objectivo certificar a formação marinheira dos cadetes complementando a instrução técnica e académica ministrada na Escola Naval. A mais alta missão da “Sagres” prende-se com a representação de Portugal, e da marinha portuguesa, funcionando como embaixada itinerante. Através das suas viagens, que incluem duas circum-navegações (em 1978/79 e em 1983/84), estando em curso a terceira, a “Sagres” aportou em mais de cinco dezenas de países levando o nome de Portugal a todos os oceanos do Mundo.»
Quarta-feira, 3 de Fevereiro de 2010
Untzi Museoa - Museu Naval de San Sebastian.
Este museu situado em San Sebastian, no País Basco existe desde 1991 e tem por mote central actual a exposição “San Sebastian - Cidade Marítima”, expondo toda a história da cidade desde a presença romana até à actualidade. À margem da exposição, o museu mantém a sua actividade baseada nos propósitos para o qual foi criado, ou seja, o estudo e divulgação do património marítimo Basco.
Algumas das exposições temporárias apresentadas anteriormente foram por exemplo “Velhas Imagens Fotográficas do Litoral Basco”, “Arqueologia e Património Subaquático Basco” ou “As Embarcações Tradicionais Antes do Novo Milénio”, entre muitas outras. Várias destas exposições foram editadas e publicadas pelo museu.
Apresenta de igual modo programas educativos permanentes centrados nos motes de Artes de Pesca, Introdução ao Património Marítimo, As Rosas dos Ventos, A Caça à Baleia, entre outros. Situa-se na Casa-Torre do Consulado, um edifício com história junto às rampas do porto de San Sebastian (Donostia) datado de 1682 onde se fomentava o encontro de comerciantes, patrões e proprietários navais, bem como o melhoramento de portos e vias. Aquando das invasões Francesas de Napoleão, apoiado por Espanha, as tropas Anglo-Portuguesas em 1813 destruiriam vários edifícios na cidade incluindo o arquivo histórico local. Hoje o museu é o único edifício da época que sobreviveu e contém uma biblioteca com cerca de 3.000 livros, muitos deles centrados nos estudos Bascos.
Valerá por certo a pena a visita, para quem gosta de mar ou quer aprender sobre ele.
Segunda-feira, 14 de Dezembro de 2009
Aquário de bacalhaus no Museu Marítimo de Ílhavo.
«O Museu de Ílhavo está a crescer. Fez a 8 de Agosto 72 anos e ao longo do tempo as visitas têm vindo a aumentar. A primeira versão do estudo prévio para a sua ampliação foi apresentada.
O bacalhau é um peixe que conhecemos, normalmente seco, inteiro ou cortado às postas, ou já cozinhado. Raramente é observado vivo, a nadar.
Futuramente, será possível ver bacalhaus vivos com a ampliação do Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) – que narra a história da ligação dos ilhavenses à Ria e aos mares da Terra Nova e da Gronelândia –, cuja primeira versão do estudo prévio foi apresentada ontem, durante as comemorações do 72º. aniversário daquele espaço museológico.
Uma das valências principais da ampliação do MMI inclui, precisamente, um aquário para bacalhaus. O presidente da Câmara de Ílhavo, Ribau Esteves, espera que constitua um ponto “muito atractivo”, confessou, ontem, ao Diário de Aveiro. Mas, o aquário será apenas uma das novidades incluídas na ampliação do Museu. Haverá “novas ofertas, novas áreas”, segundo o autarca.
A zona de ampliação, a Norte dos espaços exteriores da antiga Escola Preparatória de Ílhavo e a Poente do MMI, será ainda dotada de uma área para reservas, perspectivando o armazenamento, manutenção e investigação. Tem ligação prevista para o segundo piso do edifício da antiga Escola Preparatória, onde funcionará o Centro de Documentação e Investigação do Bacalhau.»
“Centro de Documentação e Investigação do Bacalhau”. Este título é “música” para os ouvidos e aspirações de muitos, não só ilhavenses, mas por certo a maioria dos que fizeram a Grande Faina e muitos dos seus descendentes, actuais e futuros. Sem dúvida, Ílhavo estará sempre na linha da frente a este respeito. Ao que vou lendo, apercebo-me várias vezes da presença e apoio do governo local de Ílhavo, demonstrando que reconhecem a importância em apoiar as vertentes hoje culturais, que fizeram o passado de trabalho das suas gentes.
Em 2004 fui surpreendido, quando no porto de Bergen, na Noruega, visitei um pequeno mercado de peixe fresco e lá vi dois pequenos tanques... com bacalhau vivo, para venda. Realmente, o bacalhau é hoje em dia um dos sinónimos de Portugal, mas poucos de nós o conhecem na realidade ou viram vivo.
Há mesmo uma conhecida história de um pescador de bacalhau que no seu primeiro ano de pesca, regressou no primeiro dia com o dóri vazio ao navio, e à pergunta do Capitão onde estava o peixe, respondeu ele que só tinha apanhado muitos “peixes estranhos”, mas nenhum bacalhau, igual ao que se comprava (de forma espalmada) lá na venda da aldeia.
Concerteza este futuro aquário em Ílhavo será mais um sucesso, de preferência sempre enriquecido com outas espécies que coabitam com o bacalhau.
Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009
Wayne Ralph nas Caxinas.
Nos Porões da Memória III - fotografia e texto de Wayne Ralph
8 de Agosto - 30 de Novembro de 2009
Museu Marítimo de Ílhavo
Esta exposição, a decorrer no Museu Marítimo de Ílhavo, é da autoria de um cidadão do Canadá, Wayne Ralph (jornalista e autor) que há 40 anos, como muitos outros em St. John´s, Terra Nova, sentia que tinha de registar em fotografia aquela enigmática Frota Branca de centenas de homens que vinham do outro lado do Atlântico e enchiam o porto com os seus navios. Estes navios e os homens dentro deles pareciam pertencer a outro tempo, em contraste com os menos dignos de admiração, ou registo, arrastões-fábrica de várias potências mundiais durante já essa década de 60.
Tive o prazer de ser contactado pelo Sr. Wayne Ralph há algumas semanas atrás, o qual me descreveu a emoção de vir 40 anos depois a Portugal apresentar as suas fotos dos nossos pescadores ao público que as originou, o português, e a vontade de encontrar e falar pessoalmente com algum daqueles pescadores das fotos era grande. Assim aconteceu e o único que encontrou (das suas fotos)... estava nas Caxinas.
Depois da sua estadia inicial em Ílhavo, onde conheceu com emoção esse pescador, António Maio e a sua família, foi nas Caxinas que a convite dessa mesma família Maio, viria a passar 3 dias na sua companhia. Aí, encontrou-se com outros pescadores do lugre-motor “Dom Diniz”, o principal que fotografou em 1966, e mostrando-lhes os negativos originais daquele tempo, as reacções foram efusivas e não mais o largaram “de mão”.
À boa maneira portuguesa, Wayne Ralph voltou ao Canadá sentindo que “tenho agora amigos e uma família a quem voltar no futuro. Sinto-me extremamente afortunado no meu desejo de encontrar alguns dos tripulantes do “Dom Diniz” 40 anos mais tarde.” Refere ainda que “através de Salvador Maio e sua irmã, senti quanto o seu pai, António Maio, se sentia feliz com todo este evento e por ver uma foto sua, de pescador com 17 anos, numa exibição e numa reportagem de uma revista nacional.”
Durante a sua estadia em Portugal, Wayne Ralph teve oportunidade de conhecer outros pontos da costa, nomeadamente a Foz do Douro, ou Lisboa, ficando com uma opinião geral da orla costeira que presenciou. Nesse periodo, várias vezes repetiu algo de muito preocupante, que a maioria dos portugueses deixou de ver: “Há uma coisa que achei estranha: não vejo sinais do mar na vossa cultura, como se o mar tivesse deixado de interessar-vos. E não estou a falar das praias, que vi apinhadas de gente.” in Notícias Magazine, 13-09-2009.
1974 foi um ponto de viragem e 1986, a machadada final nos assuntos do Mar em Portugal. O mar deixou de interessar a quem governa, “por interesses maiores”, e milhares tiveram que abandonar a vida do mar, pois assim o governo os forçou (e força). Wayne Ralph percebeu assim, que as suas fotos guardam afinal bem mais que uns pescadores sorridentes. Guardam o Portugal que ainda era do Mar e tinha muitas vertentes para ele viradas. Quase todas elas desapareceram, restando-nos apenas e ainda homens como o meu pai, ou o pai do Salvador Maio, como imagem e valor daquele Portugal marítimo.
fotos – Wayne Ralph / família Maio.
excerpto - Sarah Adamopoulos – Notícias Magazine.
Sexta-feira, 14 de Agosto de 2009
O nosso Museu do Mar.
«A mercearia de Fernando Viana, na Rua dos Navegantes, nas Caxinas, tornou-se um autêntico museu que relata pedaços da história e tradições das gentes daquela localidade vilacondense. Electricista de profissão, Fernando Viana foi, ao longo dos últimos anos, recolhendo diversos objectos, fotografias e recortes de jornais, que agora revela, com orgulho, aos transeuntes, tendo já em preparação um livro que irá compilar inúmeros relatos da vida de caxineiros.
"Começou como uma brincadeira. Fui reunindo fotografias de revistas e livros e mais alguns objectos que me foram oferecendo e juntei tudo em painéis que montei de forma artesanal", descreveu Fernando Viana, mostrando com orgulho ao Povoa Semanário algumas das imagens que mais admira: "Tenho fotografias de um casamento tradicional aqui nas Caxinas, outras de pescadores que andavam à pesca do bacalhau e até imagens das nossas sargaceiras".
Dos protagonistas do trabalho deste ‘historiador’ muitos já faleceram, mas os ainda vivos ficam surpreendidos quando se revêem nas antigas imagens que Fernando Viana reuniu: "Tenho alguns amigos que aparecem nas minhas imagens que me contam episódios da vida do pescadores de antigamente. Esse material estou a reunir para um livro, e já tenho mais de 100 páginas escritas".
Além das fotografias, Fernando Viana tem também no seu espólio alguns objectos ligados à actividade dos pescadores. Desde antigos rádios, sondas, redes, bóias e inúmeras reproduções, em miniatura, de barcos, o electricista já começa a ficar com pouco espaço para tantas ofertas.»
Em Dezembro passado quando estive em Portugal, fiz questão de passar por esta rua para ver “as fotos de pescadores na montra” de que muita gente me havia falado, e não percebia bem o que seria. De imediato fiquei bastante contente com o que vi e há alguns meses atrás escrevi sobre isso.
Fiquei contente porque muitos caxineiros reclamam e aspiram por um museu da sua comunidade, pois haveria muito espalhado por muitas casas para o encher. O que este senhor fez com a sua pequena loja, demonstra essa vontade e constantemente as pessoas que por lá passam, páram e discutem esta e aquela foto, trazendo ao presente as suas inúmeras memórias. Vários comentadores já o referiram aqui e noutros blogues, que é uma vergonha uma comunidade tão grande como as Caxinas não ter o seu Museu do Mar. Sim, Museu do Mar porque não pode ser outro. Toda a vida e história desta gente sempre foi o mar, em todas as suas vertentes, desde a construção dos barcos... até à morte nesse mar.
Espero que o Sr. Fernando Viana continue com este trabalho, reúna o maior número de relatos no seu futuro livro e acima de tudo “acorde” a comunidade e a sua forma de ver quem os governa. Os caxineiros ainda precisam de algum alcatrão... mas só para calafetar as futuras catraias tradicionais, como na foto acima tão típicas da sua praia, e que um dia voltarão às mãos de caxineiros.
Terça-feira, 11 de Agosto de 2009
Um Marinheiro da White Fleet.
«Há traços da Water Street que nunca se desvaneceram das memórias da minha infância: o Índio de madeira à entrada da Cash’s Tobacco Store, junto à Scanlan’s Lane; o sistema de tubagem a vácuo da London, New York and Paris Store, enviando trocos e recibos do primeiro andar para o rés-do-chão; o aparelho de Raio-X na Parker & Monroe Shoes, onde podíamos ver os ossos dos nossos pés através de uma portinhola; e a Woolworth’s Store, no Stewart’s Block.
Era meu hábito correr desenfreadamente pelas encostas íngremes da Bond Street depois das aulas, fazendo um grande desvio em volta do polícia que controlava o trânsito na Duckworth em Prestott, dirigindo-me para o porto. Eu só tinha duas missões – ver o que se encontrava amarrado nas docas, e gastar a minha mesada, na Woolworth’s Store. Apesar de ter feito inúmeras visitas àquela cafetaria, apenas uma eu recordo com precisão. Foi o dia em que conheci o marinheiro português.
Era Primavera e estava um daqueles dias raros em St. John’s, com uma brisa ligeira e uma claridade ofuscante; as águas habitualmente turvas estavam quase límpidas. O meu tio Fred costuma dizer que não há nada melhor do que um bom dia na Terranova. Este era, sem dúvida, um desses dias.
A escola tinha acabado e a White Fleet estava ancorada, alinhada pela popa, por entre as embarcações do porto: dóris com motor, arrastões ingleses e petroleiros gregos. Era constituída por veleiros do início do seculo XX, de 3 ou 4 mastros, convertidos em navios-motor. As tripulações, homens e rapazes de Portugal, já atravessam o Atlântico para pescar nos Grandes Bancos, e já procuram abrigo neste porto há muitas gerações.
Com excepção, talvez, de um submarino da Royal Navy, nenhuma outra embarcação me seduzia mais do que estas. Mas, ao contrário do submarino, eu conseguia espreitá-las, contar os pequenos dóris, fazer festas ao cão de bordo, e acenar aos marinheiros enquanto eles cozinhavam no convés. Eles retribuíam sempre com sorrisos e posavam para as fotografias, apreciando a atenção de que eram alvo. Poucos falavam Inglês, e os negociantes da Water Street atraíam-nos com promessas de que os seus vendedores falavam português.
Eu nunca estive num dóri nos Bancos, nesse mundo de mar cinzento e nevoeiro assustador, nem nunca tive as mãos gretadas e cheias de sangue de bacalhau. Eu era um “rapaz de terra”, um miúdo da escola com coração romântico. Nunca tinha estado frente-a-frente com um pescador da White Fleet até àquela tarde, no Woolworth. Ele sentou-se no banco, à minha direita, e perguntou-me, servindo-se de gestos, o que é eu estava a comer. Quando me virei para responder, reparei nas suas mãos calejadas e nos nós dos dedos vermelhos, olhos castanhos e cabelo preto.
A empregada mais jovem, a mais bonita, percorreu o balcão na nossa direcção. Sem tirar o cigarro da boca, ela perguntou-lhe o que ele queria tomar, ao que ele respondeu: uma cerveja. Piscando-me o olho (quase parando o meu coração adolescente), ela respondeu-lhe: Aqui não servimos cerveja! De imediato, o marinheiro apontou para a minha bebida enquanto remexia no bolso esquerdo das suas calças disformes de lona.
Enquanto ele tirava do bolso uma nota dobrada de 1 dólar, uma verde com a cara do George Washington, a forma como baixou a cabeça fez-me pensar que ainda não era um homem mas apenas um rapaz. Ele tinha a minha idade. Tive a certeza quando sorriu para mim e levantou o copo brindando amigavelmente em silêncio, seguindo a empregada com o olhar enquanto ela se dirigia até ao canto mais afastado do balcão para continuar a sua interminável conversa. Tudo estava tranquilo, a loja quase a fechar, apenas eu e ele sentados nos bancos de metal.
Continuei a dissecar o meu banana split, fazendo-o durar, cheio de vontade de lhe perguntar como era a vida no mar, como era nos Bancos e como era na sua aldeia, em Portugal. Mas tal não era possível, por isso bebemos Orange Crush™ com os olhos fixos no espelho da parede do fundo. As suas unhas estavam sujas e as mãos eram ásperas, enquanto as minhas eram suaves, manchadas pela tinta dos verbos latinos – “Amo, Amas, Amat”. Ele tinha passado a tarde a remendar redes no convés, enquanto eu contemplava a claridade que irradiava em South Side Hills. O nosso professor de Latim andava a ensinar-nos, miúdos ranhosos de casaco azul e calça de flanela cinzenta, a conjugar verbos numa língua morta.
Eu sabia que o iria recordar. Observei-o pelo canto do olho enquanto a empregada lhe conferia o troco em moedas cunhadas com a cara da jovem Rainha Elizabeth. Ao levantar-se, ele atirou uma moeda de 10 cêntimos para o balcão, sorriu de esguelha para mim e foi embora. Ele tinha deixado uma gorjeta, coisa que eu nunca havia feito pois a minha mesada não permitia tal generosidade. O seu acto não foi de rapaz, mas sim um gesto de homem, habituado a uma existência perigosa, conquistada com o suor do seu rosto. Para ele não existia uniforme escolar, apenas a linha de mão e o minúsculo dóri num mar agitado e traiçoeiro, sempre com os olhos cravados na cortina de nevoeiro que se aproxima.»
por Wayne Ralph.
Texto publicado no site oficial do Museu Marítimo de Ílhavo.
Foto 1 - Wayne Ralph no porto de St. John´s, 3/11/2008, da autoria de Donald Hayes.
Foto 2 – Frota Branca Portuguesa – Wayne Ralph.
Nos Porões da Memória III - fotografia e texto de Wayne Ralph
8 de Agosto - 30 de Novembro de 2009
Museu Marítimo de Ílhavo
Quinta-feira, 6 de Agosto de 2009
Nos Porões da Memória III.
«A memória das grandes sagas do trabalho no mar só serão menos frágeis se as suas narrativas partilhadas no espaço público se alimentarem de testemunhos subjectivos e plurais.
As fotografias obtidas nos interstícios das fainas do bacalhau, ora destinadas ao acto íntimo de recordar, ora vertidas em longos álbuns compostos com uma certa intenção documental, confirmam a natureza fortemente visual das culturas marítimas.
Muitos foram os tripulantes das frotas bacalhoeiras que se deram ao gosto de fazer fotografias do estranho mas belo mundo em que se moviam. Não poucos "oficiais" e alguns pescadores fotografavam em silêncio, quais actores efémeros de uma vida que sabiam extraordinária e condenada aos rituais da recordação, ao arquivo nos "porões da memória".
Além desses registos intimistas, diversos foram os estrangeiros que tomaram a White Fleet e os seus homens como objecto de fotografia e de escrita. O canadiano Wayne Ralph foi um desses observadores da frota portuguesa e do exotismo heróico dos pescadores lusos. Ao partilhar este trabalho com o seu público, o Museu Marítimo de Ílhavo prossegue os seus esforços de pluralização da memória da "grande pesca".»
Álvaro Garrido
Director do Museu Marítimo de Ílhavo
Nos Porões da Memória III - fotografia e texto de Wayne Ralph
8 de Agosto - 30 de Novembro de 2009
Museu Marítimo de Ílhavo
Segunda-feira, 3 de Agosto de 2009
MMI - 72 anos.
«Integrado no programa MarAgosto/Festas do Município de Ílhavo 2009, o Museu Marítimo de Ílhavo celebra a sua existência de mais de sete décadas e assinala o aniversário da abertura do seu pólo, o navio-museu Santo André, O programa comemorativo da fundação do Museu (8 de Agosto de 1937) organiza-se sob o signo da pluralização das memórias do nosso património mais emblemático: a pesca do bacalhau. A abertura da III série do projecto expositivo Nos Porões da Memória, desta vez com um trabalho de fotografia e texto do canadiano Wayne Ralph, permite partilhar com o público a visão estética e documental de um estrangeiro sobre a presença regular da White Fleet em St. John’s.
A exposição articular-se-á com um outro registo memorial vindo da América do Norte: uma palestra sobre o Gazela Primeiro, um dos poucos veleiros da frota bacalhoeira portuguesa que ainda navega, sob o cuidado da fundação Philadelphia Ship Preservation Guild. No sentido de combinarmos conhecimento e lazer e de utilizarmos o nosso edifício de modos sempre diversos, o Museu organizará também duas demonstrações de nautimodelismo, uma actividade em grande expansão no âmbito das novas formas de expressão da cultura náutica. A noite do dia 8 de Agosto fechará com um jantar “à proa do Museu”, uma refeição servida pela Confraria Gastronómica do Bacalhau, que nos permitirá provar alguns sabores das dietas de bordo dos antigos lugres bacalhoeiros.
A música encerra este dia longo e aberto a todos quantos nos queiram visitar e celebrar connosco o aniversário do Museu.»
Álvaro Garrido
Director do Museu Marítimo de Ílhavo
Museu Marítimo de Ílhavo
72 anos | 8 de Agosto de 2009
: 10h-24h Dia Aberto
: 10h-11h30 | 16h-17h30 Demonstração de Nautimodelismo no lago do Museu
: 14h-18h Ateliers temáticos
: 18h Sessão comemorativa
: Palestra de José Luís Fernandes, membro da fundação Philadelphia Ship Preservation Guild - Gazela
Primeiro
: Abertura da exposição de tesouros da colecção do MMI – Bússolas
: Abertura da exposição Nos Porões da Memória III – fotografia e texto de Wayne Ralph
: 19h30-22h Jantar de Bacalhoeiro, servido pela Confraria Gastronómica do Bacalhau
: Inscrições até 6 de Agosto, por telefone (234329990) ou por mail (museuilhavo@cm-ilhavo.pt)
: 22h Espectáculo de música no jardim interior do Museu
: 3 Marias (www.myspace.com/3smarias)
Quinta-feira, 11 de Junho de 2009
Museu Marítimo de Ílhavo – actividades.
«O Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) prossegue e consolida as suas iniciativas de extensão de projectos expositivos, em Portugal e no estrangeiro. A 31 de Maio de 2009, Dia do Pescador, foi inaugurada no Centro Cultural da Nazaré a exposição Caixa da Memória – Tributo aos homens que foram ao bacalhau, produzida pelo MMI. A exposição registou grande afluência da comunidade local, permitindo ao Museu e ao Município de Ílhavo estabelecer novos laços com o Município da Nazaré no domínio dos patrimónios e culturas marítimas. A abertura da exposição incluiu uma conferência de Álvaro Garrido, Director do MMI, intitulada “A Pesca do Bacalhau – História e Memória”.
No mesmo dia e no âmbito das comemorações do Dia do Pescador, o MMI marcou presença em Lavos, Figueira da Foz, onde a Junta de Freguesia local tomou a iniciativa de construir e inaugurar um monumento de homenagem aos pescadores bacalhoeiros naturais daquela comunidade. A cerimónia de inauguração do monumento – o primeiro construído no país para evocação dos homens que foram ao bacalhau – associou-se à abertura de uma exposição de fotografia e filme sobre os pescadores e tripulantes locais, também ela produzida pelo MMI.
Estas e outras exposições itinerantes permitem ao MMI consolidar o seu processo de diversificação de públicos, em especial as suas relações com as comunidades piscatórias. Entre 4 de Julho e 11 de Outubro, o MMI estará no Museu Marítimo de Roterdão (Holanda) através da exposição A Campanha do Argus. A produção e empréstimo desta exposição permitem ao MMI uma efectiva internacionalização, dado que o Museu Marítimo de Roterdão é um dos mais visitados da Europa, sendo esta a sua única exposição temporária durante a época de Verão. Em Toronto, Canadá, no âmbito das comemorações do Dia de Portugal e das comunidades portuguesas, a partir de 10 de Junho, o MMI terá igualmente uma exposição, Terra Nova, Terra dos Bacalhaus, produzida pela extinta Comissão dos Descobrimentos Portugueses em colaboração com o MMI.»
Álvaro Garrido
Director do Museu Marítimo de Ílhavo – 7 de Junho de 2009.
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2009
Nos Porões da Memória II.
«A memória das grandes sagas do trabalho no mar só serão menos frágeis se as suas narrativas partilhadas no espaço público se alimentarem de testemunhos subjectivos e plurais. As fotografias obtidas nos interstícios das fainas do bacalhau, ora destinadas ao acto íntimo de recordar, ora vertidas em longos álbuns compostos com uma certa intenção documental, confirmam a natureza fortemente visual das culturas marítimas. Muitos foram os tripulantes das frotas bacalhoeiras que se deram ao gosto de fazer fotografias do estranho mas belo mundo em que se moviam. Não poucos "oficiais" e alguns pescadores fotografavam em silêncio, quais actores efémeros de uma vida que sabiam extraordinária e condenada aos rituais da recordação, ao arquivo nos "porões da memória"... Esta exposição é composta por dois conjuntos de fotografias que têm em comum o facto de ambos os autores serem estrangeiros que, a dado passo, se interessaram por observar e registar a faina dos pescadores-marinheiros portugueses. Friedrich W. Baier, um engenheiro e arquitecto naval, partilha connosco o modo como viu e sentiu a azáfama do Gazela Primeiro e do Creoula. Hector Lemieux, realizador de cinema, oferece-nos um belo retrato da faina do Santa Maria Manuela na campanha de 1966. O modo como captou a pesca dos “dorymen” expressa-se de forma ainda mais eloquente no filme documental The White Ship, uma curta-metragem de alto valor estético, que integra esta segunda série de Nos Porões da Memória. Estas imagens de homens e navios de muito mar, só puderam ser resgatadas e exibidas graças à generosidade dos capitães A. Marques da Silva - ex-capitão do Gazela Primeiro e Creoula - e Vitorino Ramalheira - ex-capitão do Santa Maria Manuela. As amizades que fizeram a bordo, no convívio com os autores das fotografias e do filme, persistiram e frutificaram».
Álvaro Garrido
Director do Museu Marítimo de Ílhavo
Nos Porões da Memória II
Fotografias de Friedrich Baier e Hector Lemieux
Inauguração no dia 31 de Janeiro, às 17 horas - Museu Marítimo de Ílhavo
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Mais uma prova do bom trabalho que se vai fazendo por Ílhavo, trabalho que não é mesmo para parar e continuar a mostrar, a desenvolver gostos, a reavivar memórias. Julgo reconhecer o pescador à direita na foto como sendo a bordo do “Santa Maria Manuela” em 1966. Será pois uma foto de Hector Lemieux, cujo filme tenho a sorte de possuir. É mais um evento que não posso presenciar in loco... até um dia.
Muitos parabéns ao Director do Museu e a todos que com ele trabalham em prol disto que aqui vemos.
Sábado, 26 de Julho de 2008
Museu das Pescas do Atlântico – Lunenburg, Nova Escócia - Canadá.
O Museu das Pescas do Atlântico teve o seu início em meados dos anos 60 com a designação de Museu das Pescas de Lunenburg e o seu propósito era a formação de um polo museológico que reconhecesse a importância histórica da indústria da pesca na costa Leste do Canadá.
Em 1966, a última escuna da salga dos Bancos a sair do porto de Lunenburg, o “Theresa E. Connor” (sobre o qual já escrevi), foi adquirido pela Sociedade do Museu marítimo de Lunenburg e o seu mentor, John Fisher, sugeriu que a preservação de uma escuna de pesca seria um tributo apropriado às muitas gerações de pescadores que haviam trabalhado em portos do Canadá. Eram várias as escunas disponíveis nessa altura, mas após conversas com os vários armadores, depressa perceberam a importância histórica da embarcação, pois o seu aspecto original não havia sido alterado desde o dia em que foi lançado em 1938. O armador Zwicker & Company ofereceu a escuna à Sociedade pelo preço reduzido de $30.000 e o “Theresa E. Connor” tornou-se o navio bandeira do museu em 1967.
O museu desenvolveu-se rapidamente e muitas horas de voluntariado foram dadas por homens que sempre haviam trabalhado na pesca, nomeadamente na recolha de inúmeros objectos pelo Capitão Angus Tanner relacionados com a indústria pesqueira tradicional e não só. Muitos “tesouros” de famílias acabariam por vir para o museu através dos seus esforços, desde baús de mar, instrumentos de navegação, cartas e outros demais que seriam expostos no “Theresa E. Connor”.
Em 1975 o museu encontraria as suas instalações permanentes e as visitas atingiam cerca de 50.000 pessoas por ano. Planos de expansão para uma velha fábrica de peixe adjacente tiveram o seu início, sendo nesta altura que o museu passou a fazer parte da rede de museus da Nova Escócia, pela sua importância e especialização de programas.
Com a expansão em área do museu, o Parks Canada, uma agência federal, expressaria o seu interesse em arranjar uma exposição permanente, detalhando a era das embarcações à vela à pesca nos Grandes Bancos. Vários anos foram passados a investigar o tema e a exposição finalizada cobre o periodo entre os finais dos anos 1400s até os 1930s. Modelos à escala detalhados de embarcações de pesca (foto 2) representativas e painéis informativos foram instalados e várias peças de arte foram também comissionadas, de modo a ajudarem a interpretar o estudo da pesca nos Grandes Bancos. Estas incluem um modelo de madeira em tamanho real de um bacalhau com 96 quilos, o maior bacalhau registado jamais apanhado.
Desde os inícios dos anos 80, muitas exibições e programas de investigação ocorreram no Museu das Pescas do Atlântico e hoje são mais de 25 exposições e mostras abertas ao público, incluindo uma ampla sala de projecção de vídeo e filmes. As exibições incluem um grande aquário, com espécies importantes para a indústria; a famosa escuna “Bluenose”; os trágicos Temporais de Agosto de 1926-27; a Vida nas Comunidades Piscatórias; Construção Naval; Motores Náuticos; Baleias e Baleeiros e um salão dedicado às Pescas Costeiras, com barcos dedicados a essa pesca.
Com o passar dos anos a frota do museu alterou-se, mantendo-se o “Theresa E. Connor” como a bandeira que em 1988 entrou num exaustivo processo de restauro de 7 meses no valor de $750.000. Junto com esta escuna está agora a traineira de arrasto lateral em aço “Cape Sable” desde 1984 e construída em 1962.
As exibições no museu são apenas uma parte dos programas virados para o público. Grupos escolares são encorajados a participar em projectos especiais que enaltecem aspectos das pescas costeira e longínqua. Correntemente estes focam os dóris, a pesca de lagostas e a vida a bordo da escuna de pesca “Bluenose”. Cada programa é adaptado aos vários níveis de idade e dura aproximadamente uma hora. O Centro de Documentação do museu inclúi uma colecção fotográfica de vários milhares de items, arquivos, uma biblioteca e registos micro-filmados. Todos estes materiais estão disponíveis a estudantes e investigadores. Na foto 3 pode ver-se uma demonstração junto às águas do museu de como se processava a pesca nos dóris.
Todas as fotos são propriedade do museu.
Vila do Conde construíu um réplica fiel de uma nau 450 anos depois. Deixo no ar a data na qual Ílhavo, por si ou em sociedade, finaciaria uma réplica funcional de um lugre bacalhoeiro em madeira. Demonstrações da pesca do bacalhau à linha em dóris também seriam bonitas de se ver.
Quarta-feira, 7 de Maio de 2008
Caixa da Memória
«O Museu Marítimo de Ílhavo organiza o seu projecto cultural e a sua programação em torno do conceito de Conservação Memorial. Este conceito-chave da museologia pós-moderna desafia os museus que o adoptam a promoverem a conservação dinâmica, criativa e pluralizante dos patrimónios que guardam. Daqui decorre a diferença fundamental, assumida e praticada no Museu Marítimo de Ílhavo em favor do segundo destes conceitos, entre “museus de colecção” e “museus lugares de memória” – museus votados à construção de memórias e identidades.
Os patrimónios materiais e imateriais da pesca do bacalhau têm sido o campo de ensaio para projectos expositivos centrados no conceito de “conservação memorial”. A intenção de contribuir para a edificação de uma memória colectiva, tanto quanto possível plural e não apenas reprodutora dos homens que foram ao bacalhau, gerou o projecto expositivo Caixa da Memória, cujo primeiro módulo, dedicado aos Ilhavenses, foi exibido no Museu Marítimo de Ílhavo entre 21 de Outubro e 22 de Dezembro de 2006. A grande instalação em forma de cubo ou caixa de luz contendo centenas de nomes e rostos de ex-tripulantes de navios bacalhoeiros depressa despertou o interesse e emoção da gente do mar – dos próprios pescadores e oficiais, dos seus parentes e amigos. Inúmeros homens e mulheres do mar pediram ao Museu Marítimo de Ílhavo que organizasse nas suas localidades uma Caixa da Memória exclusivamente dedicada aos bacalhoeiros naturais desses lugares.
Depressa esta exposição inovadora ganhou uma dimensão nacional. Uma vez adaptada a base de dados que o Museu organizara e uma vez restauradas e impressas as fotografias seleccionadas para expôr, em 2007 a Caixa da Memória foi partilhada e admirada em Matosinhos (AP Leixões), Olhão (Compromisso Marítimo) e Figueira da Foz (Centro de Artes e Espectáculos). Em todas estas localidades a exposição alcançou recordes de visitas e acabou por ficar o dobro do tempo que se previra. Muitos pescadores emigrados na América do Norte se deslocaram a Portugal para poderem ver a exposição.
Para 2008 estão acordadas cinco itenerâncias da Caixa da Memória: Murtosa (no âmbito das comemorações nacionais do Dia do Pescador, a 31 de Maio), Vila do Conde, Portimão, Lavos e Mira. Em 2009 está planeada uma itenerância no The Rooms Museum, em St. John´s, Terra Nova, Canadá.
Seja qual for o resultado de públicos deste leque de itenerâncias, é certo que a Caixa da Memória constitúi a exposição mais visitada de sempre na história do Museu Marítimo de Ílhavo. Acrescem as vantagens de uma eficaz comunicação do projecto cultural do Museu, em Portugal e no estrangeiro. Daqui resulta, também, um envolvimento inédito do Museu com as comunidades piscatórias do País, uma ligação de sentido identitário, porque baseada numa expressão calorosa de reconhecimento e afecto pelo facto de o Museu ter assumido a dívida da memória.
Projecto expositivo dinâmico e interactivo, a Caixa da Memória só terminará quando se esgotarem as adesões que suscita. No dia 18 de Maio, Dia Internacional dos Museus, será apresentado no Museu Marítimo de Ílhavo – e no dia 30 de Maio na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim – o catálogo da exposição, um magnífico livro-álbum editado em parceria com a editora portuense Campo das Letras, intitulado Portugal no Mar – Homens que Foram ao Bacalhau (308 páginas).
Talvez esta seja a mais bela e interpelante iniciativa editorial do Museu nos últimos tempos. Síntese serial e estética do projecto expositivo Caixa da Memória, o livro conta com o apoio à edição das seguintes Câmaras Municipais: Ílhavo, Matosinhos, Olhão, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Murtosa e Figueira da Foz.
O programa sócio-cultural do Museu Marítimo de Ílhavo na área da “conservação memorial” prossegue através do projecto “Arquivo de Memórias da Pesca do Bacalhau”, o qual consiste no registo audio-visual de depoimentos orais de antigos tripulantes da frota bacalhoeira. Este projecto estará concluído em Dezembro de 2008.
Projectos idênticos começaram a ser desenvolvidos em relação aos patrimónios materiais e imateriais da Ria de Aveiro».
Álvaro Garrido
Director do Museu Marítimo de Ílhavo
Há uns meses atrás escrevi sobre a Caixa da Memória, que esperava um dia ver esta exposição em Vila do Conde, pois os pescadores das Caxinas participaram na pesca do bacalhau em números avassaladores. A pesca do bacalhau está muito presente nesta comunidade e só agora se começam a ver iniciativas sobre esta grande e dura aventura a que muitos homens se lançaram, tal como hoje em dia se lançam em frotas de pesca de outros países.
Por outro lado apraz-me ver de novo a Póvoa de Varzim envolvida no lançamento de obras de referência etnográfica e de memória, como será o caso deste álbum. Gostaria de estar presente, mas da Polónia à Póvoa ainda é um esticão e como tal terei de adquirir o álbum por outros meios.
Há muito a trabalhar e a desenvolver quanto à memória do Mar, quer na Epopeia do Bacalhau, artes tradicionais de pesca, embarcações tradicionais ou construção naval tradicional em madeira, mas acredito que o Museu Marítimo de Ílhavo, hoje em dia na vanguarda de alguns destes temas, criará mais e mais interesse e as suas ramificações acabarão por se desenvolver.
Domingo, 20 de Abril de 2008
Museu Marítimo do Atlântico – Halifax, Nova Escócia no Canadá.
O Museu Marítimo do Atlântico é a divisão de história marítima do Museu da Nova Escócia, uma família de 27 museus operados pela Província da Nova Escócia.
É o maior e mais antigo museu marítimo do Canadá e tendo celebrando o seu 60º aniversário em 2008, desenvolveu uma história própria só por si. A ideia inicial deste museu marítimo pode ser creditada a um grupo de oficiais da Marinha Real do Canadá que tinham em vista um museu marítimo onde as relíquias do passado naval Canadiano pudessem ser preservadas.
Começando com um pequeno espaço nas docas, o museu mudou de instalações para a Cidadela de Halifax em 1952 e tornou-se o Museu Marítimo do Canadá em 1957. Cheias e incêndios nos inícios dos anos 60 causaram mudanças temporárias para vários sítios até 1965, quando uma casa foi encontrada no edifício de uma antiga padaria em terrenos da Marinha. O museu tornou-se na secção de História Marítima do Museu da Nova Escócia em 1967. Durante os anos 70 efectuou-se uma longa procura por instalações permanentes e finalmente em 1982 o
Museu Marítimo do Atlântico foi establecido junto ao porto de Halifax. Abriu ao público a 22 de Janeiro desse ano e desde então, cerca de 2 milhões e meio de pessoas visitaram o museu.
Aos visitantes são mostradas colecções sobre a manufactura numa oficina tradicional de todos os detalhes que constituiam um navio, desde velas, carpintaria ou cordame, centenas de objectos de marinheiros e pescadores, uma colecção de cerca de 20.000 fotos, planos de embarcações e cartas náuticas, cerca de 300 pinturas de navios e uma secção de pequenas embarcações sendo a mais antiga uma bela chalupa de pesca de 1928 restaurada como embarcação de recreio e em exibição, de nome “
Marila”. Construíram recentemente uma réplica dela de nome “Windekilde”, mostrada na foto acima e sobre a qual se pode ver todo o processo de construção
neste link.
Segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2008
A construção naval em Essex, Massachusetts.
A construção naval em Essex principiou em meados dos 1630s para satisfazer a necessidade local por embarcações de pesca e os primeiros eram construídos sempre para serem usados pelo próprio constructor. Por finais dos anos 1700s, tornou-se comum construir uma nova embarcação a cada Inverno, pescar com ela durante o Verão e depois vendê-la no Outono. Gradualmente, capitães vindos de outros portos dirigiam-se a Essex para contrato de um novo navio. Cerca de 1840, Essex deixava de ter a sua própria frota de pesca e tornara-se num constructor naval o ano inteiro.
Deste modo, desenvolveu-se uma indústria tão especializada que se tornou única na história marítima e por alturas dos 1850s, mais de 50 embarcações por ano eram lançadas à água de 15 estaleiros diferentes em Essex, passando a ser a zona conhecida mundialmente como o centro de construção de escunas de pesca na América do Norte.
A frota de Gloucester era largamente construída em Essex e Gloucester dominava de tal forma a indústria, que os navios de Essex podiam ser encontrados em todos os principais portos de pesca dos E.U.A e Canadá. Um em cada 28 navios de bandeira Americana era construído em Essex.
Das 4.000 embarcações construídas em Essex durante a sua história de 350 anos até 1949, apenas 7 escunas históricas sobrevivem, cinco das quais construídas de raíz para a pesca. São elas o “Ernestina” (ex-“Effie M. Morrissey”), o “Lettie G. Howard”, o “L.A. Dunton”, o “Adventure”, o “Evelina M. Goulart”, o “Roseway” e o “Highlander Sea” (ex-“Pilot”).
Muitos dos constructores de Essex davam continuidade ao trabalho dos seus pais. Tradicionalmente a construção de um navio começava com o pagamento de um quarto do total do custo da obra, que seria paga em três partes anuais. Deste modo o trabalho era contínuo nos estaleiros. A maioria dos trabalhadores eram especializados numa fase do trabalho. Muitos eram contractados a um valor diário, conforme a necessidade dos seus serviços no momento. Havia por exemplo grupos de três ou quatro homens que faziam o trabalho de fazer as cavernas do navio ou de preparar o bota-abaixo. Eram muitas vezes constituídos por pais, filhos, tios e primos. Era comum os próprios grupos sub-contractarem de outros estaleiros trabalhadores, o que implicava trabalhar em várias embarcações ao mesmo tempo e levava a que a reputação de um trabalhador fosse de extrema importância.
Cada trabalhador devia ter as suas próprias ferramentas. No Inverno, os trabalhadores tinham de limpar a neve da área de trabalho sem serem pagos por isso. Também não eram pagos em alturas de doença ou ferimentos.
Nas primeiras décadas, tudo o que era necessário à construção de um navio era produzido em Essex, desde cordas a velas, mastros, âncoras, rodas-de-leme, etc, tudo produzido em lojas e barracões distribuidos pela povoação. Depois de 1860 muito já vinha de outras terras.
Quanto a remunerações, dependia do trabalho. Por exemplo ao efectuar furos, ganhava-se por cada furo feito. Carpinteiros de acabamentos, entalhadores ou outras funções de elevada precisão eram pagos por obra feita. Os calafates eram pagos um valor fixo multiplicado pela tonelagem bruta do navio.
Durante o Inverno o dia de trabalho era desde a alvorada até ao crepúsculo, com uma hora de paragem ao meio-dia – seis dias por semana. Nos meses de Verão trabalhava-se desde o nascer do Sol até ao meio-dia e da uma às seis da tarde, recomeçando às sete até ao anoitecer. Após 1847, o dia de trabalho foi establecido em 10 horas, todo o ano, seis dias por semana. Em 1865 o dia foi reduzido para 9 horas e em 1918 para 8.
Em 1976, como parte da participação de Essex nos 200 anos da Revolução Americana, foi aberto o Museu de Construção Naval de Essex, preservando a história da construção naval em madeira, parte integral da economia e cultura da Nova Inglaterra e dos E.U.A. desde os anos 1630s. O museu contém uma das melhores colecções marítimas da região e conta aos seus visitantes a extraordinária história de uma pequena povoação da Nova Inglaterra na qual se construiram mais escunas de pesca de dois mastros em madeira do que em qualquer outro sítio no mundo.
Links de interesse:
Sexta-feira, 11 de Janeiro de 2008
Museu do mar - Paimpol.
Há dias, juntamente com outros pescadores Franceses, mais um pescador das Caxinas pereceu no mar, neste caso na Bretanha, França. Felizmente houve um sobrevivente, também das Caxinas. É precisamente na Bretanha, uma península no noroeste de França que se situa uma rica e antiga cultura marítima. São muitos os portos e vilas piscatórias e um deles situa-se em Paimpol, na parte Norte da península.
Paimpol desenvolveu-se bastante durante o apogeu da pesca do bacalhau na Terra Nova e Islândia nos anos 1880s. O seu Museu Municipal do Mar está instalado desde 1990 numa antiga seca do bacalhau construída cerca de 1880. Utilizada mais tarde como carpintaria e fábrica de velas para navios, este edifício é hoje o local de exposição do património marítimo local onde se confinam todo o tipo de marinheiros, tantos dos seus concidadãos, ao longo de periodos sucessivos adaptando-se a evoluções económicas.
Antes da pesca na Islândia e Terra Nova, o porto de Paimpol não era mais que um local para deixar navios a seco, onde a cada maré os barcos padeciam nas posições em qua a maré bazante os deixava. As escunas de pesca, finas e elegantes, suportavam mal estas marés sucessivas e em 1878 foi construída a primeira doca.
Em barcos à vela aparelhados em escuna, entre os anos de 1852 a 1935, a pesca fazia-se de Fevereiro a Agosto na Islândia. Nestes 83 anos, 2.000 homens pereceram e cerca de 100 escunas foram engolidas pelo mar da Islândia.
Com o sucesso crescente da pesca ao bacalhau, foi decidido contruír uma segunda doca, inaugurada em 1903. No entanto já se fazia sentir o declínio da pesca na Islândia. A I Guerra Mundial contribuiu ainda mais para o desaparecimento desta actividade que terminaria em definitivo em 1935 com a partida da última escuna para a Islândia, a “Glycine”.
Paimpol está geminada com Grundarfjörður na Islândia e Romsey no Reino Unido.