«João Carlos Caetano esteve na pesca do Bacalhau e relata em diário publicado a primeira viagem aos bancos da Terra Nova e à Gronelândia. Ao Correio dos Açores conta outras vivências da pesca e relata o pedido que fez na altura em que decorriam as festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. "Estávamos entalados no gelo e o navio não conseguia passar. De joelhos e mãos postas pedi que o Senhor nos ajudasse a sair dali, senão morríamos, houve um milagre. O gelo abriu um pouco e conseguimos passar".
"Pesca do Bacalhau - Diário de Bordo de João Carlos Caetano - De S. Miguel à Gronelândia - Ano de 1952" é o título do livro que o pescador da pesca do bacalhau lançou com o apoio da Câmara Municipal de Lagoa e co-financiada pelo Programa Prorural - Eixo 3.
A obra relata a primeira viagem aos Bancos da Terra Nova e Gronelândia de João Carlos Caetano realizada no ano de 1952 a bordo do navio "Oliveirense". E todas as peripécias vividas durante os seis meses em que seguiam a bordo. "Éramos entre 50 a 60 pessoas a bordo, incluindo o capitão, o motorista, o imediato e os ajudantes. Vivíamos como uma família, não havia discussões, mas muitas das coisas que passamos e que hoje podia contar ficaram diluídas no tempo", diz-nos o autor da obra, que recorda ao Correio dos Açores os momentos mais marcantes da sua vida enquanto pescador do bacalhau.
Na altura João Carlos Caetano era moço de convés deste navio tendo anotado, por escrito, os principais acontecimentos que marcaram esta sua viagem na aventura da pesca do bacalhau, e como conta ao Correio dos Açores conseguiu reunir as principais vivências no mar em seis cadernos, que dizem respeito aos dezasseis anos que desempenhou esta actividade.
João Carlos Caetano iniciou a sua profissão enquanto pescador em 1952, quando tinha apenas 17 anos, acabando 1967, altura em que comprou um barco de boca aberta, com 11 metros, e dedicou-se afincadamente à pesca artesanal no Porto dos Carneiros, na freguesia do Rosário, na Lagoa, onde viveu toda a sua vida, tendo feito um interregno de 14 anos, por ter emigrado para a América, onde se fixou em Fall River. Como conta a ida para a América teve apenas como objectivo dar um futuro melhor aos seus filhos. Dos sete, seis casaram e estão a viver na terra da oportunidade, um está na lagoa, onde trabalha na Lota, lugar onde o pai trabalhou também durante 16 anos [antes chamava-se Casa dos Pescadores e depois Lotaçor], depois de ter vendido o barco, por ter adoecido.
Na América, trabalhou num estaleiro a fazer barcos, mas tanto ele como a mulher sempre sonharam foi regressar à sua terra de origem, o que fizeram 1996.
Mas importa voltar aos tempos em que começou a sua labuta no mar. Como se disse começou aos 17 anos, altura em que partiu para Lisboa, para a Escola de Pedrouços, no continente, para aprender a arte de marinharia e navegação, mas também aprender a remendar a rede, a fazer correias, a fazer roupa. Regressou à Lagoa passado este período para fazer a sua mala e partir uma semana depois para alto mar. A vida no mar naquela altura era dura, porque estávamos seis meses num navio de barco à vela. Na altura éramos 8 moços, que em vez de irmos à tropa fazíamos este tempo no mar. Houve um ano em que adoeci e tive de fazer tropa no continente, durante os seis meses em que o navio estava na pesca do bacalhau.
João Carlos viveu dias difíceis, mas diz que naquela altura era novo e não tinha medo de nada. Mas um dia, altura em que São Miguel que festejava o Senhor Santo Cristo dos Milagres o navio teve de aportar em St. John, no Canadá, para deixar um amigo doente em terra. Depois de o deixarem em terra enfrentarem uma adversidade: encontraram gelo e o navio ficou entalado. Foi um caso sério. Pensávamos que não íamos sair dali e que lá ficaríamos. De joelhos e mãos postas ao alto pedi ao Senhor Santo Cristo dos Milagres que abrisse um pouco o gelo para que conseguíssemos passar. Quando Deus quis isso aconteceu, tendo o navio passado por uma nesga aberta no gelo. Foi milagre.
Nos seis meses, quando estavam nos bancos da Terra Nova cerca de mês e meio andavam sempre à pesca sem ver terra.
Hoje a pesca à linha acabou mas na altura em que João Carlos estava na pesca do bacalhau era tudo manualmente que era feito, quando hoje a pesca é feita de arrasto e leva tudo à sua frente. Na minha altura, de manhã entregavam-nos 45 sardinhas para fazermos a isca e lá íamos em botes. Quando estava bom tempo os botes espalham-se e ia cada um para seu lado, mas um dia o tempo virou. Saímos com bom tempo mas pouco depois houve uma enorme tempestade. O navio içou a bandeira para que regressássemos. A sirene tocou. Mas um homem faltou à chamada. Era o José de Matos, da Calheta de Ponta Delgada, que desapareceu e nunca mais apareceu. Foi uma tragédia. Ficamos muito tristes. Dar a noticia à família foi terrível. As mulheres contavam os meses para que os maridos chegassem e aquela família teve foi uma triste notícia.
Fora esta tragédia não houve mais nenhuma perda humana, mas João Carlos também assistiu ao desaparecimento do navio, que se afundou, após ter pegado fogo. Diz que foi o primeiro a ver o fumo e deu o alerta. Salvamo-nos todos mas perdeu tudo, roupa e dinheiro e todo o bacalhau pescado, que havíamos escalado, salgado e colocado no porão, como sempre fazíamos. Saímos em botes, e felizmente fomos salvos pelo navio "São Jorge" que estava perto.
De tudo, a mágoa maior que João Carlos tem é que trabalhou tanto, de sol a sol, debaixo de tempestades, longe da família, e recebe uma reforma de miséria, porque o Estado português entendeu que devia juntar à fraca reforma que recebe da América. Descontou trinta e cinco anos, mas de pouco valeu. Hoje que está doente lembra com tristeza o sofrimento que teve, embora fizesse tudo com gosto, mas que hoje devia gozar de algum bem-estar monetário mas nem isso lhe dão.
Salão Nobre da Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Rosário foi pequeno demais para todos quantos quiseram assistir ao lançamento do livro Pesca do Bacalhau - Diário de Bordo de João Carlos Caetano - De S. Miguel à Gronelândia - Ano de 1952. Na presença de amigos, colegas e familiares, João Carlos Caetano apresentou o seu registo escrito dos tempos que era moço de convés, numa obra que contou com o apoio da autarquia lagoense.
Para João Ponte, Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, este livro é um relato escrito que permite um conhecimento mais profundo da árdua vida dos pescadores que se dedicavam à pesca de bacalhau, onde tomamos consciência deste mundo próprio que caracteriza de um modo simples, mas autêntico, a realidade do que é ser-se pescador.
O autarca lagoense destacou na ocasião a dedicação de João Carlos Caetano, um lagoense que exerceu a profissão e a arte da pesca durante muitos anos e que depois desta incursão na pesca do bacalhau, que desempenhou durante vários anos, dedicou-se à pesca artesanal no Porto dos Carneiros.
João Ponte disse ainda que com a publicação deste livro, a Câmara Municipal de Lagoa procura deixar um legado e um testemunho vivo de dedicação, coragem e trabalho no exercício de uma actividade que, outrora, era certamente mais difícil.
Segundo o edil lagoense, a narração destes episódios da pesca do bacalhau, agora publicada em livro, assume-se como um exemplo vivo para as gerações vindouras e uma homenagem a todos aqueles que se dedicaram à actividade piscatória, sacrificando, muitas vezes, as suas vidas, sendo, igualmente, um sinal, claro e inequívoco, do apreço e gratidão da autarquia para com quem desempenhou uma actividade difícil e arriscada ao longo da sua vida, com inegáveis contributos para o desenvolvimento económico e social da Lagoa.
A Lagoa foi, é, e sempre será terra de pescadores, terra de homens corajosos que buscam o seu sustento nas águas revoltas do mar, numa profissão perigosa mas igualmente desafiante, uma imagem de marca do concelho e uma das bases da nossa economia, concluiu.»
Autora: Nélia Câmara – 04-07-2010, Correio dos Açores.
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filmes 1977 a 1991 - Nos Grandes Bancos da Terra Nova
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Navio-mãe "Gil Eannes" - 1959-71 Capitão Mário C. F. Esteves 2
Navio-mãe "Gil Eannes" - 1959-71 Capitão Mário C. F. Esteves 3
Navio-mãe "Gil Eannes" - Fundação
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