Sábado, 6 de Janeiro de 2024
Recuperação das pescas em Timor Leste.
 

 

«Um grupo de pescadores trabalha árduamente para puxar as suas redes das águas baixas junto à praia de Dili, capital de Timor Leste. “Depois do temporal da noite passada, não esperamos grande coisa”, diz Francisco Soares enquanto vislumbra a água. “Mas ainda assim estamos muito contentes e o Raymundo e o Horácio deram-nos uma grande ajuda para começar de novo.”

Os pescadores conhecem os dois voluntários das Nações Unidas, Raymundo Cawaling das Filipinas e Horácio dos Santos de Timor Leste desde 2001, quando estes dois conhecedores das pescas organizaram uma distribuição em larga escala de redes e equipamento de pesca doados por vários países.

Durante gerações, as comunidades costeiras dependeram de uma grande variedade de peixe como atum grande, peixe-voador, peixe dos corais entre outros que abundam ao longo dos 600 km da costa de Timor Leste. O Departamento das Pescas estima que cerca de metade dos 20.000 pescadores do país têm na pesca por exclusivo a sua fonte de nutrição e rendimentos.

90% da frota costeira de Timor Leste, aparelhos de pesca e estruturas costeiras foram destruídas durante o violento conflito que deflagrou entre oponentes e apoiantes da independência, após a grande maioria ter votado pela soberania a 30 de Agosto de 1999. Milhares de pessoas fugiriam do território.

 

 

Richard Mounsey, da Austrália, responsável pelo organismo Ambiente Marinho afirma que “estivemos à caça de dinheiro para atingir o nosso principal objectivo: ajudar os Timorenses a sustentarem-se por si próprios, restaurando-lhes o orgulho como pescadores. Eles não queriam arroz trazido em helicópteros, queriam sim os seus aparelhos de volta para irem de novo à pesca.”

Numa primeira fase de distribuição de redes, o resultado da pesca aumentou 60% em relação a 1997 – 1.600 toneladas por ano. Foram também montadas oficinas de construção naval e 18 Timorenses receberam treino de oficiais das pescas no Ministério da Agricultura e Pescas.

Como estado independente, Timor Leste viu crescer a sua zona de pesca de uma faixa de 3 milhas para 150 millhas a Sul e 15 milhas a Norte. Tal espera-se que atraia companhias de pesca às novas oportunidades oferecidas, mas com o devido controlo, pois os “abutres da pesca industrial mundial” são séria ameaça ao ambiente marinho. Outras ameaças são o ainda uso de explosivos, veneno e o corte de mangais, onde várias espécies de peixe se desenvolvem.»

 

Traduzido do original de Tarik Jasarevic - 06 de Augosto de 2002

imagem 2 - yeowatzu

 

Embora o artigo já seja bem antigo, permite ter uma ideia da área das pescas e sua importância no geograficamente longínquo Timor Leste. As imagens aqui colocadas mostram o mais comum barco de pesca utilizado no país, o “beiro”. O beiro é feito ou de um tronco único de árvore que é escavado até tomar a forma pretendida, ou de tábuas armadas para o efeito.

 

Um pouco sobre o Timor actual - O Livro das Contradisoens

 

 



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Quinta-feira, 21 de Setembro de 2023
Barcos no areal.

 

«A praia da Nazaré conta, a partir de hoje, com o regresso de mais uma embarcação de pesca tradicional ao areal.

Uma réplica da barca “Mimosa”, construída à exacta semelhança da original, vem juntar-se aos barcos da pesca do candil, da arte xávega e da lancha “Ilda” já patentes na praia, junto ao Porto de Turismo.

A “Mimosa” era uma barca auxiliar da traineira, que fazia o transporte do peixe desde a zona das antigas bóias, ao largo, e a praia, para onde era puxada por tracção. Aqui, o peixe era descarregado e transportado para a lota.

A recuperação da “Mimosa” insere-se num programa de preservação das antigas embarcações de pesca desenvolvido pela Câmara Municipal da Nazaré, em parceria com o Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso.

No caso da “Mimosa”, não foi possível salvar a embarcação original, devido ao seu avançado estado de degradação. A réplica foi construída no estaleiro de António Luís Júnior, um dos poucos mestres de construção naval tradicional ainda no activo na Nazaré. Recorrendo às antigas técnicas, foi usada madeira de pinho manso (na roda e contra-roda de proa, cavername e peças curvas) e pinho bravo (no costado, cintas, forros e bancadas), proveniente da zona de Cós/Juncal. A barca “Mimosa” tem um peso aproximado de quatro toneladas, com 10.20m de comprimento, 3.3m de boca (largura) e 1.10m de pontal (altura).

Além das embarcações referidas, foi também alvo de recuperação a barca salva-vidas “Nossa Senhora dos Aflitos”, lançada simbolicamente ao mar pelo anterior presidente da República, Jorge Sampaio.

Preservar as antigas embarcações de pesca tradicional da Nazaré, devolver ao areal a memória dos barcos que outrora o povoavam e contribuir para a preservação da vocação marítima da cultura local, são os principais objectivos deste investimento da Câmara Municipal da Nazaré.»

 

via Câmara Municipal da Nazaré online - 2007

imagem Cancela de Saas

 

Um exemplo que eu gostaria muito de ver seguido por outros municípios, especialmente o de Vila do Conde e o da Póvoa de Varzim. Na parte de Vila do Conde cidade, era no areal das Caxinas que se varavam os muitos barcos de diversos tamanhos. Quanto à Póvoa cidade... tal já é impossível, pois o que resta do areal é ínfimo e desapropriado a receber barcos. Era uma vez a praia dos pescadores.

 



publicado por cachinare às 18:34
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Sábado, 18 de Abril de 2020
Construtores Navais – Aprender com quem faz.

«A construção naval em madeira é, na Celebração da Cultura Costeira (EEAgrants) um tema partilhado por todos os territórios. Sendo um interesse trazido ao projecto pela Associação de Barcos do Norte – cuja problemática é a legislação sobre barcos tradicionais – a inventariação destes conhecimentos tem-se feito nas restantes áreas, porém mais intensamente na deste parceiro e na Cooperativa Porto de Abrigo (Açores).

 

Maria do Céu Baptista e Luís Martins
Coordenação do CCC 
 
O texto que se segue dá luz a uma fracção desta recolha – junto de construtores da ilha de São Miguel e de um mestre dos estaleiros Mónica de Vila do Conde – realçando em simultâneo um simbolismo do nosso programa de formação e estudo: são os protagonistas do património local que têm a voz na divulgação das suas tecnologias. Procuramos desocultar o testemunho silencioso, tal como achamos importante descobrir o ecossistema e a árvore por detrás do barco.
 
DA ÁRVORE E DE TODAS AS PEÇAS SE FAZEM O BARCO E O ARTESÃO
 
Uma árvore como a acácia corta-se ao cair da folha (Outono e Inverno). Na força da rebentação está muito viçosa e a madeira empena. Na secagem deve manter cerca de 15% da humidade, para ter alguma viscosidade. Faces demasiado húmidas quando juntas crespam e apodrecem em poucos meses. É nos solos pobres que aparecem as árvores de madeira mais dura. As que dão a madeira torta para as peças curvas crescem nas escarpas e nos espaços das grotas, enquanto na mata limpa se cortam as de fio direito para as restantes peças.
É costume fazer a analogia entre o barco e o corpo humano (coluna vertebral e vértebras). Talvez por isso se diga que a sua resistência começa na quilha e no cavername. Contudo, Paulino França e António Melo dizem que o importante é o conjunto, da cavilha ao forro, porque o objectivo do calafate é evitar que a água entre no barco – contribuindo para isso as peças todas (enquanto, por exemplo, a do tanoeiro, bem distinta, é impedir a saída do líquido.
Vê-se que a sabedoria popular não se constitui de ideias uniformes. Mas há mestres que são referências locais. Por exemplo, os actuais construtores de Rabo de Peixe (Açores) aprenderam todos com Manuel Cesta. Pai de José Francisco, foi também patrão de Gabriel Costa e José Pimenta, e de um pescador, Leonardo, que constrói e conserta embarcações. O primeiro herdou a oficina. José Pimenta fez em 1991, aos 17 anos, o primeiro barco quando trabalhava nela, e abriu o seu estaleiro em 2004. Gabriel Costa estabeleceu-se nos finais de 1980s, tendo frequentado o de mestre Cesta desde os 16 anos, onde se iniciou em tarefas que eles não queriam fazer, como pegar uma ferramenta, limpar os barcos por dentro, ir buscar uma enxó.
António Costa, carpinteiro dos estaleiros Mónica em Vila do Conde, começou a trabalhar com dez anos e aprendeu metendo-se aos poucos: ajudou numa e noutra acção, e diz que depende de cada um encaixar o que vê e lhe dizem. Fez o primeiro exame aos 18 anos para passar à 4ª categoria, num exame feito por mestres do Sindicato, onde apresentou as ferramentas que comprara para o ofício – formões, serrote, martelo, compasso, sutas e uma enxó – e respondeu à questão sobre como, de um rolo, tirar um tento e fazer a linha para alinhar uma peça para um barco. Visto já riscar cavernas com o filho do patrão, disse que andava a galibar – passar de umas grades para o desenho das cavernas, para depois fazer-se estas – e foi-lhe fácil dar a solução. Ao longo da carreira fez ainda exames até à 1a categoria.
Paulino França começou a trabalhar na construção naval em 1981 em estaleiros de Ponta Delgada. Primeiro na SOFOPEL, mais tarde na NAVEL. Para se entreter fez nessa época um barco no quarto onde morava em Vila Franca do Campo. À luz de um petromax. Foi mediante a declaração de uma destas firmas, dando-o como habilitado, que a Capitania lhe passou a carteira profissional de carpinteiro calafate. Em 2004 ergueu o barracão onde está o estaleiro para nele construir um barco de onze metros e trinta, trabalhando os calafates desse porto até então a céu aberto.
Em São Miguel a palavra estaleiro designa também o conjunto de toros que escoram o barco sob a quilha, chamando-se bancada a cada toro. De lado, à medida que a construção evolui, colocam-se uns puntaletes para as balizas não mexerem. Ao longo do costado e em filas paralelas fixam-se varetas de metal, a fim de desempolar o barco, isto é, para o forro ficar direito. Antes usavam-se fasquias, de pinho resinoso, que aguentavam o sol e não entortavam.
 
INOVAÇÃO, DIVERSIDADE E UNIDADE DA LINGUAGEM
 
Brincando com a filha na banheira onde tomava banho, José Pimenta diz que notou que o barquinho que lhe oferecera no aniversário se reflectia na água. Lembrou-se de encostar uma maquete a um espelho e observou que os pequenos defeitos no semi-casco ficavam mais nítidos. Todos os construtores com quem falámos aplicam esta técnica para verificar as linhas do costado, a curvatura da proa, as linhas de água. António Melo, que a define como um truque para ver os dois lados, já tinha observado o pai a usá-la como carpinteiro de uma empresa de atuneiros.
Todo o conhecimento vem por herança, e é inovado porque se procura. O velho Cesta fazia os barcos a gosto. Quer dizer que não os construía segundo um plano. Falava com os donos e, a partir dos moldes dos já construídos, introduzia as alterações combinadas. Os seus aprendizes assimilaram esta prática de trabalhar madeira, cortar, limpar, planar. O interesse de Gabriel Costa levou-o a observar mestre Aldeia (José Evangelista Aldeia, de Sesimbra), que em Ponta Delgada trabalhava de uma maneira muito diferente. José Evangelista, riscando em estrados, fazia linhas que ele não entendia. Aprendeu assim como é que se risca, como é que se faz. Diz que cada um deles lhe passou metade do que pretendia aprender. O resto descobriu em experiências que foi efectuando. Por sua vez Paulino França e António Melo dizem que a construção começa com o barco em geometria: o seu desenho no estrado, apoiado num cavalete, onde parece que não é o barco, mas é. Daqui passa-se para uma maquete, que consideram o verdadeiro barco, pois qualquer defeito que tenha passa ao ponto superior.
Construída a embarcação, mesmo Gabriel Costa, que não gosta muito do mar, embarca nela para verificar o seu comportamento: como navega e pára, o desempolamento das amuras, se ele se mete muito. Porque as entradas de água é que definem a qualidade da construção: deve levantar-se e ao mesmo tempo entrar na água e lançá-la para os lados. Se assentar ao meio, vai entrar na água da parte de trás e de proa levantada. Assim, em movimento bate como se andasse sobre uma superfície dura. Para evitar essas situações é preciso, diz, saber a prática e a teoria, isto é, o trabalho da madeira e o risco. Em consequência, não reconhece como construtores os profissionais da pesca que se dedicam à construção. Por exemplo, o Leonardo em Rabo de Peixe, antigo artesão no estaleiro de mestre Cesta, que faz e conserta embarcações para os mais chegados, alugando as ferramentas que precisa aos estaleiros em actividade.
Em qualquer caso um barco nasce com quilha, couce, cadaste – que a gente chama pá da luva – painel, roda de proa, contra-roda de proa, onde se vira o tabuado. Relativamente ao continente, diz António Melo que em São Miguel designam a primeira tábua por cinta, e no continente falca. O que nas ilhas chamam tábua do alefriz, no continente chamam resbordo. Às restantes tábuas – da cinta à tábua do alefriz – dá-se o nome de costado. Os outros termos são idênticos. Nas embarcações de boca aberta os dormentes são um reforço da embarcação, onde assentam as bancadas. Nos outros barcos os dormentes mantêm-se como reforço, e o convés assenta em vaus.
Através de entrevistas procuramos dar conta desta unidade e diversidade dos conhecimentos e práticas dos construtores navais. Julgamos que fica evidente a grande riqueza destas pessoas, que se predispõem a falar da sua profissão e de como se formaram no exercício dos trabalhos. Não sabemos se conseguimos dizer muita coisa em pouco espaço. Mas percebe-se por este pequeno exercício a imensa riqueza do saber do artesão naval.»
 
in site oficial Mútua dos Pescadores.
Foto 1 – José Branco Carvalho
Foto 2 – graminho piratealx
Foto 3 – construção de um barco Rabelo - Sinalvideo – A Cidade Surpreendente


publicado por cachinare às 10:44
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Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019
Setúbal, nascida do rio e do mar.

 

Este selo comemorativo da cidade de Setúbal, estatuto recebido de D. Pedro V em 1860, inclúi todos os elementos do seu brasão de armas, e nele se denota o papel central do mar na sua existência. É um dos portos de pesca portugueses onde julgo ainda ser possível olhar para o passado, com vários barcos de pesca de pequeno porte e característicos das décadas de 60, 70 e 80. As águas de Setúbal estão pintadas por muitas e vivas cores dos seus barcos, algo que muitos outros portos perderam.


publicado por cachinare às 18:54
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Sábado, 20 de Abril de 2019
“Senhor Deus dos Desgraçados”.

«Marco Lourenço filmou a “grande história trágico-marítima” Todas as terras de pescadores têm as suas tristes histórias de naufrágios, de vidas a lamentar, levadas pelo mar cruel e ingrato que lhes põe o pão na mesa, francisco adrmas nenhuma provocou tantas lágrimas como a da madrugada de 2 de Dezembro de 1947.
Nessa noite, quatro traineiras e cento e cinquenta e dois homens desapareceram ao largo de Matosinhos, havendo apenas seis sobreviventes, que, quase por milagre, escaparam à fúria das ondas dessa madrugada de temporal.
Os gritos ouviam-se na praia, mas as pessoas sentiam-se impotentes para ajudar aqueles que gritavam por socorro. Para além disso, um dos aspectos mais trágicos do naufrágio prende-se com o facto de muitos pescadores terem dado à costa ainda com vida, mas há testemunhos que afirmam que a polícia Marítima, com medo do contrabando, disparou tiros para o ar, afastando, assim, quem na praia tentava socorrer os pescadores.
As vítimas eram oriundas não só de Matosinhos, como também de Espinho, Ovar, Póvoa de Varzim, Mira, Setúbal, o que fez com estas terras piscatórias ficassem unidas para sempre, marcadas pelo mesmo sentimento de dor e de perda.
Este foi o mote para Marcos Lourenço realizar um documentário intitulado “Senhor Deus dos Desgraçados”. Na verdade, este licenciado em Cinema, pela Escola Superior Artística do Porto, cresceu ouvindo esta história, quando a data do naufrágio se aproximava.
O avô de Marcos Lourenço, família de pescadores, esteve ligado a este drama e, talvez, as razões afectivas tenham levado à realização do documentário, que é também uma forma de não deixar cair no esquecimento a tragédia que destruiu as traineiras D. Manuel, Rosa Faustino, as únicas onde houve sobreviventes, Maria Miguel e S. Salvador.
No início, o trabalho, feito no âmbito da Faculdade, apenas iria abordar uma perspectiva mais restrita, mas à medida que a investigação aumentava e o estudo ia ganhando forma, o realizador percebeu que não seria ”só um trabalho para a Faculdade”, mas passou a ser “um trabalho para servir a cidade”, até porque “Matosinhos não deve esquecer os seus verdadeiros heróis”.
Por ter ficado impressionado com esta tragédia , que deixou centenas de casas sem pão e provocou dezenas de órfãos, o autor gostaria de divulgar o documentário para, deste modo, dar a conhecer Matosinhos, terra que vivia exclusivamente do mar. “Quem nasce pescador, morre pescador”, por isso, por mais arriscada que seja esta profissão, não é possível para um pescador abandoná-la.
Para poder recolher mais informação, Marcos Lourenço procurou “as pessoas certas”, tendo ficado a saber que, nessa noite, quatro traineiras, apesar dos avisos, se fizeram ao mar e regressavam carregadas de sardinhas, quando o temporal arruinou o sonho de mais de uma centena de homens. Parece até que o número de vítimas não será certo, pois a bordo poderiam estar também várias crianças.
Durante a pesquisa que efectuou, o realizador foi confrontado com versões por vezes contraditórias, o que torna o traba­lho, por vezes, mais difícil. Dos seis sobreviventes do naufrágio, José Pereira Dias “Canário”, José Ruela, António Dias “Cantora”, Manuel Maria “Acabou”, José Pinho Rebeca, José Pinheiro, dois ainda estão vivos.
José Pinheiro, que só tinha 19 anos na altura do acidente, é uma das testemunhas vivas, que se salvou depois de ter estado três horas dentro de água, agarrado ao colete, e que contou ao realizador vários pormenores importantes para a compreensão dos acontecimentos que antecederam o naufrágio: a viagem até à Figueira da Foz, a chegada a Aveiro, o aumento do vento, a entrada na barra de Matosinhos, o afundar dos barcos, a aflição dos homens e da população.
Maria Emília, 89 anos, viúva de um pescador, contou a Marcos Lourenço que o seu marido estava doente na altura, mas que mesmo assim teve de ir trabalhar, o que atesta bem das condições de vida dos pescadores. Manuel Cheta, pescador à época no barco Nossa Senhora das Neves, também prestou o seu depoimento ao realizador, contribuindo para que a visão dos factos seja mais completa e viva.
Este naufrágio teve um impacto mundial, tendo chegado a vir subsídios dos EUA, para além dos atribuídos pela Sociedade Mútua de Seguros do Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, no valor de 221$85.
Para poder efectuar este documentário, Marcos Lourenço procurou dados durante um ano, mas como contou ao MH “ainda na semana passada descobri um sobrevivente, numa associação de pescadores. Desconhecia esse facto”.
Quanto aos apoios, o autor diz que a autarquia facultou imagens de arquivo e que no próximo dia 2 de Dezembro, o documentário será projectado na Casa dos Pescadores, tendo sido muito bem recebido por Delfim Nora, no entanto, o desejo de Marcos Lourenço é que o filme seja exibido no Salão Nobre da Câmara.
Marcos Lourenço considera que “os novos matosinhenses recusam o estatuto de terra de pescadores” e o seu desejo é lutar contra isso. “Se existem heróis estão em Matosinhos”, e este trabalho pode ser um contributo fundamental para dar a conhecer esses homens.
“Era uma vida muito dura, a vida do mar”, recorda este neto de pescadores que não quer que a memória do seu avó e dos outros homens do mar se apague dos matosinhenses.
Passados sessenta anos, Marcos Lourenço sente que “tinha obrigação de fazer isto por eles e não por mim. A história é deles. O documentário está muito humano” Na verdade, o autor não quer que as vítimas sejam esquecidas e quer que a vida dos pescadores seja sempre admirada e respeitada. O filme será uma maneira de “prolongar a memória da geração que viveu a tragédia”, acredita o cineasta.»

 
In Matosinhos Hoje – 26-09-2007.
 
Foi através do jornal mensal MARÉ que descobri a existência deste filme e tenho tentado obtê-lo faz já algum tempo. No entanto a partir do estrangeiro onde me encontro não tem sido fácil obter o filme.
Tal como o Marcos Lourenço, fazemos parte da 1ª geração que deixou a vida do mar profissionalmente, na sua maioria, mas a obrigação de registar e dar mérito às nossas gerações passadas é fulcral. Só há que agradecer ao realizador por ter levado parte da sua obrigação a bom porto. Cabe-nos a muitos de nós continuar a desenvolver esta mesma obrigação.
 
Trailer do documentário "Senhor Deus dos Desgraçados".


publicado por cachinare às 18:24
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Quinta-feira, 1 de Setembro de 2016
Comemorações dos 25 anos da Lancha Poveira "Fé em Deus".

25 anos lancha_cartaz_net

2º SEMINÁRIO “MAR, EDUCAÇÃO E PATRIMÓNIO”

Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, 30 de Setembro de 2016, entre as 14h00 e as 17h30

«Este seminário, que está integrado nas comemorações dos 25 anos da Lancha Poveira Fé em Deus, visa partilhar conhecimentos e experiências de bibliotecas, arquivos, museus e escolas e centros de investigação sobre património marítimo e cultura do mar.

Os temas desta edição são a memória, as literacias, a conservação e o acesso à informação na era digital, bem como o papel das escolas na formação de competências ligadas à preservação do património marítimo. Contaremos com os contributos de José Bastos Saldanha (Sociedade de Geografia de Lisboa), Manuela Barreto Nunes (Universidade Portucalense), Luís Martins (IELT/Universidade Nova de Lisboa), Fátima Claudino (Escolas Associadas da UNESCO), Ivone Magalhães (Museu de Esposende e Rede Nacional da Cultura dos Mares e dos Rios), Luísa Salgado (Professora), Ana Simão (Profª Bibliotecária/Escola E.B. 2-3 Dr. Flávio Gonçalves), Albina Maia (Profª Bibliotecária/Escola Secundária Rocha Peixoto) e Manuel Costa (Biblioteca Municipal Rocha Peixoto e projecto da Lancha Poveira).

Para aceder ao programa/lista dos oradores e registar a sua inscrição gratuita, consulte a página da Biblioteca Municipal Rocha Peixoto

Manuel Costa

cartaz seminario lancha_net final (1)

cartaz expo mestre agonia_net (1)



publicado por cachinare às 21:09
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Segunda-feira, 25 de Janeiro de 2016
Associação juvenil Açoriana recupera barco de pesca.

«Na pequena ilha de Santa Maria, Açores, extremo sudeste do arquipélago, pertencente ao Grupo Oriental, a AJISM - Associação Juvenil da Ilha de Santa Maria - desenvolve um trabalho meritório na dinamização e promoção de actividades com os jovens, lutando diariamente pela valorização da vida na sua ilha. Desenvolve actividades ligadas à cultura e à comunicação, ao desporto. Aposta nas tecnologias de informação e tem um Site na Internet actualizado frequentemente.

Um dos trabalhos desta associação tem sido a sua intervenção na preservação, recuperação e promoção do património marítimo açoreano, em particular das embarcações de pesca tradicionais. A embarcação “Mudança de Maré” - nome do projecto de desenvolvimento promovido pela Associação Marítima Açoreana (AMA), que contou com a participação da Mútua como parceira, entre outras organizações - é a menina dos olhos desta associação e é sobre ela que tem recaído grande parte desse trabalho patrimonial.
Passamos a transcrever um excerto de um convite enviado a diversas entidades, em nome da Associação, Luís Roque e da AMA, Liberato Fernandes, onde se conta um pouco desta história:
"Conta já com seis anos o processo de recuperação de uma peça significativa do maravilhoso espólio da Pesca Artesanal Açoriana – a embarcação “Mudança de Maré”. Neste período desenhamos e concebemos o projecto técnico para a recuperação do casco, estabilizamos e construímos  um casco novo sobre o original, o “Nossa Senhora das Mercês” - embarcação artesanal de pesca do chicharro de Rabo de Peixe datada dos anos 50 do séc. XX - e “sobrevivemos” ao interminável processo de licenciamento da obra, bem como aos vários desafios que este projecto foi tendo de enfrentar e ultrapassar.
Como todos os projectos que se propõem recuperar memória e em simultâneo inovar e criar, ao que se soma ser, neste caso e nesta área, um projecto pioneiro na região, sentimos testada a perseverança e a determinação para o levar a cada vez melhor porto. E com isso, muito aprendemos. Hoje, podemos afirmá-lo, o “Mudança de Maré” é peça de peso nesta perspectiva de reactivação do património marítimo açoriano desaparecido.
Este ano, após já variada experiência de navegação e melhoramentos no velame e navegabilidade, faz sentido um ainda maior alargamento e avaliação deste esforço. Para isso contamos convosco e decidimos deslocar a embarcação a São Miguel com esse objectivo.
É neste âmbito que a Associação convidou várias instituições a fazerem uma pequena viagem de barco, (duração máxima de duas horas), na costa sul da ilha de S. Miguel, com partida de Ponta Delgada. Além da apresentação do trabalho da Associação e da embarcação em si, a iniciativa pretendeu proporcionar momentos de discussão sobre aspectos do futuro deste tipo de património e das oportunidades que se encerram no património marítimo açoriano.”
Resta-nos desejar à AJISM e a todos os jovens (e também aos menos jovens!) de Santa Maria boa viagem a bordo do Mudança de Maré, sempre rumo a bom porto!»
 
In site oficial Mútua dos Pescadores.
 
«As comunidades piscatórias nos Açores são parte essencial da história do arquipélago desde o seu povoamento. As tradições e costumes destas comunidades ainda hoje mantêm contornos dos séculos XVI e XVII. No entanto, a modernidade penetra violentamente... com as reformas da Política Comum de Pescas da União Europeia, com os contornos de uma sociedade crescentemente tecnológica, com o estilo de vida de todos e todas a alterar-se a um ritmo acelerado. Neste contexto, facilmente se podem desagregar e perder as delicadas estruturas culturais das comunidades, somando aos vários problemas de desenvolvimento e pobreza, um ritmo de grande mudança e de exigentes adaptações. Estes factos, sempre associados à crescente, quase frenética, necessidade de evolução imposta pela sociedade moderna, representam um sério risco para a preservação de um património vasto e rico, que muitas vezes não encontra paralelo no resto da Europa e põe em causa cultura, tradição e saberes associados a esse património.
Face a este contexto,em 2002, a AJISM, em parceria com a AMA, apresentou a ideia e o projecto de recuperar uma embarcação tradicional da pesca artesanal açoriana, no âmbito do Projecto Mudança de Maré, financiado pela Iniciativa Comunitária EQUAL, procurando paralelamente recuperar também a navegação à vela com pano latino, utilizada por estas embarcações até à década de 70 do século XX.
Pensamos que a revitalização deste tipo de património pode ser importante para a preservação de uma memória cultural, colectiva, açoriana e portuguesa, de grande importância e em sérios riscos de desaparecer, sem deixar registo. Pensamos também poder contribuir com uma inovadora ferramenta de formação para o contexto da pesca açoriana, para a existência de um navio demonstrativo de alternativas sustentáveis para as comunidades piscatórias, que pode apoiar e desenvolver propostas para e com a comunidade, além de propor outra relação com a museulogia.»
 
In site oficial “Mudança de Maré”.
 
Fotos – AJISM – Mudança de Maré
 
Nesta última foto aqui mostrada, é possível ver o “Mudança de Maré” antes de ser restaurado, junto do belíssimo iate açoriano “Maria Eugénia” sobre o qual escrevi em 24-06-2008 e na altura os esforços para a recuperação deste iate estavam difíceis. Desconheço a partir daí o estado actual do processo de recuperação.
Felizmente ao seu lado, o “Mudança de Maré” é hoje um belo barco de pesca tradicional açoriana recuperado e a associação que o detém sabe muito bem o que ele representa, e o que se pode desenvolver a partir dele. É exactamente de mais associações, com este interesse e um carinho pelo passado e cultura naval que Portugal precisa. Já existem algumas e várias pessoas esforçam-se por dar corpo e unidade ao que já existe, mas não é fácil, devido a aspectos que vão da natureza legal até ao completo desinteresse de entidades responsáveis que deveriam financiar o desenvolvimento da cultura marítima costeira.
Há que continuar a trabalhar e acima de tudo procurar sempre novas vias e novas portas onde bater.


publicado por cachinare às 17:47
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Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015
Rede da Cultura dos Mares e dos Rios quer salvar embarcações tradicionais.

«Esposende assume este domingo (16-11-2014) a presidência desta associação e organiza debate sobre a “libertação da via da água” para embarcações antigas.

Preservar uma embarcação tradicional pode ser uma dor de cabeça. Apesar de serem parte importante de uma cultura que exprime a relação das comunidades ribeirinhas com rios, estuários e mar, os entraves colocados à sua circulação deixam os proprietários quase de mãos atadas.

catraia santa maria anjos esposende flyer

A Assembleia da República aprovou, no ano passado, uma recomendação para que o Governo legisle na defesa da autencidade e funcionalidade deste património, mas, em vésperas de mais um Dia Nacional do Mar, que se celebra este domingo, os subscritores do Manifesto para a Libertação da Via da Água duvidam que, nesta legislatura, algo seja feito nesse sentido.

Esta questão foi colocada na agenda parlamentar muito por pressão de um conhecido cientista, o professor Fernando Carvalho Rodrigues, entusiasta, dono de uma canoa e presidente da Associação dos Proprietários e Arrais das Embarcações Típicas do Tejo.

O homem que ficou conhecido como o pai do primeiro satélite português, é um dos dinamizadores da Marinha do Tejo e estará este domingo, às 10h, em Esposende para acompanhar os trabalhos do quarto encontro da Rede Nacional da Cultura dos Mares e dos Rios, no qual fará, pelas 14h30, uma intervenção sobre os problemas que afectam quem vem, há anos, salvaguardando este património flutuante.

Para um dos fundadores da rede, o Almirante José Bastos Saldanha, da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), se não for criado um regime específico para estas embarcações antigas, que olhe também para a escassez de pessoas com conhecimentos de carpintaria naval, a preservação de um vasto património espalhado por todo o território pode ser posta em causa. Por isso, é com alguma ansiedade que os membros desta organização esperam a intervenção do secretário de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, na outra sessão comemorativa que, na segunda-feira, se realiza na SGL.

catraias esposende cavado antiga

Catraias, catraios, canoas, faluas e outros
Só no estuário do Tejo, graças aos esforços de particulares e associações, há 70 embarcações, entre catraias e catraios, canoas, faluas e outras tipologias nas quais se incluem o varino. Marca de um tempo em que a casca de carvalho era trazida da ria de Aveiro, para a cozedura (encascamento) das redes dos pescadores do Tejo, e esses barcos não faziam já a viagem de regresso.

Costa acima não faltam exemplares de outras tipologias, em quase todas as comunidades, e este domingo é lançado um selo com uma representação da catraia de Esposende, que continua a navegar graças aos esforços do Forum Esposendense. Esposende, que sucede à Póvoa de Varzim na liderança da rede nacional, quer dar visibilidade a esta organização que mantém um certo cunho informal desde a aprovação do manifesto que lhe deu origem, assinado em 2004, na Nazaré, por várias organizações impulsionadas pela SGL.

Nos últimos dois anos, a Póvoa de Varzim – que preserva uma réplica da antiga Lancha Poveira –, conseguiu dar algum fôlego a esta entidade, realizando ao longo de dois anos, um conjunto significativo de acções, mas, como nota o presidente da Câmara de Esposende, falta à rede um cunho verdadeiramente nacional, que a leve a atrair todos os municípios marginados por rios ou mar.

Benjamim Pereira, lembra que o seu concelho também tem provas dadas na valorização do património cultural ligado ao mar e aos rios - seja nas festas, como a de São Bartolomeu do Mar, nos encontros de embarcações, na arqueologia naval ou em tradições como a da apanha de sargaço – e espera poder trocar experiências com outros concelhos e organismos.

“Não pretendemos ensinar nada a ninguém, acreditamos é que há muita gente a trabalhar bem e que precisamos de juntar esforços para aprofundar conhecimento e, claro, aproveitar o potencial turístico que esta temática encerra”, explicou o arquitecto que, desde Outubro de 2013, lidera o município de Esposende. Já este ano, a cidade acolheu vários encontros importantes na área da arqueologia naval e da defesa da orla costeira.

moliceiro ria aveiro lindo
Rede deve aproveitar fundos comunitários
O presidente da Câmara de Esposende, Benjamim Pereira, acredita que a Rede Nacional da Cultura dos Mares e dos Rios pode ter um grande papel na defesa de um património imaterial importantíssimo, que precisa de ser estudado e “materializado” em estudos, documentários e outras acções que valorizem este activo. Para o autarca, os municípios e entidades envolvidas na rede devem definir três ou quatro áreas prioritárias de intervenção - e as embarcações tradicionais são uma delas - e procurar, desde logo no programa Portugal 2020, fundos para financiar os trabalhos a levar a cabo. Um dos projectos que já está a ser desenvolvido, e que brevemente estará disponível, é uma enorme base de dados da bibliografia ligada ao mar, na literatura e em diversas áreas de estudo, que foi idealizada e montada pelo sociólogo João Freire e que está agora a ser desenvolvida pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sob a coordenação da historiadora Inês Amorim.»

Por Abel Coentrão in PÚBLICO

foto 2 – Forum Esposendense

foto 3 – Blogue ahcravo



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Sábado, 13 de Dezembro de 2014
E na Praia dos Barcos, em Caxinas, voltou a ouvir-se “Bind’ó peixe”.

«Estava um céu carregado, uma manhã cinzenta de Agosto. O programa Bind’a Bordo, que durante todo este sábado animou as ruas da comunidade, dizia que a recriação histórica da actividade da pesca na Praia dos Barcos começava às 9h30 da manhã, e a essa hora já estava muita gente a abeirar-se do murete da extensa marginal das Caxinas.

“Antes havia aqui barcos e mais barcos. Agora vêem-se paus e mais paus”, dizia Laurindo Pereira, 67 anos, reformado há dois de uma vida feita no mar que começou quando tinha “sete ou oito anos”. “Sei que ia muitas vezes dormir para a escola, dar cabeçadas de sono na carteira”, acrescenta.

 

santa maria dos anjos caxinas 2014

 

A manhã cinzenta ajudava-lhe às memórias ainda vivas de quando a Praia dos Barcos não era, como agora, uma “praia de paus”, referência às estruturas das barracas de praia, concessionadas para veraneio. Mas Laurindo também diz que “naquele tempo”, há meio século, quando as "catraias" (o nome de uma das embarcações típicas das Caxinas) enchiam o areal, o que havia era “uma vida de miséria”, que não deseja a ninguém. Uma vida que, por exemplo, ele não permitiu aos quatro filhos — “Não anda nenhum no mar, fizeram-se todos à vida em terra. E ainda bem”. Não há, pois, saudades desses tempos difíceis. Mas o apelo para reviver esse passado, e os rituais com que se desenhava o dia-a-dia da população caxineira, continua bem presente. E, pelo número de presentes, irresistível.

Todos os que se abeiravam do murete da praia tinham algo a dizer, um episódio a recordar. Todos pareciam perceber do mar. “A‘tão não se vê que a maré está vaza? Os barcos não conseguem acostar aqui”, dizia um dos presentes. Aguarde-se, então, mais uns momentos, enquanto no horizonte, saído do Porto da Póvoa de Varzim, se começa a avistar a catraia Santa Maria dos Anjos, emprestada pelo Fórum Esposendense, para participar nesta viagem ao passado. Vinha a catraia lenta na sua aproximação, mais à força dos remos do que à força da vela (que o dia era cinzento, mas o vento não estava de feição), e as mulheres já se estavam a fazer ao areal.

Eva Marques, 79 anos, vem à frente, a gritar “Bind’o peixe!”. Descalça, lenço na cabeça, camisa aos quadrados, força nos braços e ainda mais fulgor no pregão. Seguem-na um grupo de mulheres, todas caxineiras, a carregar cabazes de pescado e cestos de redes para estender no areal. Margarida Marafona é uma delas. Filha de pescador, viúva de pescador, mãe de pescadores. O marido morreu há 17 anos. Os filhos são casados e, por isso, ela já não tem de fazer a “obrigação”. Mas estava ali a revivê-la com gosto. “Sempre gostei muito destas coisas, sabe? Fui muitos anos cantadeira no Rancho das Caxinas, estes que também aqui estão. Está a saber bem reviver estas tradições. Mas era uma vida muito difícil, sabe?”, insiste.

Que “obrigação” era essa? Manuela Sá Vieira, agora reformada, cumpriu-a muitas vezes. Primeiro, ao pai. Depois, ao marido — que chegou a andar embarcado a pescar bacalhau à linha pela Terra Nova. “Primeiro, vínhamos trazer os homens ao mar, empurrar o barco. Depois, quando chegavam, tínhamos de varar o barco, tirar a sardinha ou outro peixe que eles trouxessem e ir vendê-lo à lota, à Póvoa. Ou então, logo aqui, na rampinha. O leilão era muito bonito de se fazer.”

Manuela conta esta história enquanto as companheiras simulam estar a consertar redes, ainda à espera do barco. Da “obrigação” aos filhos, saberão as noras. Ela agora vive com a “reforma pequenina” que o governo da Alemanha lhe manda pela morte, por doença, do marido. “Trabalhei muito a vida toda, sabe? Mas nunca descontei, por isso não tenho direito a reforma. Vale-me a do meu marido”, diz muito rápido, para logo acariciar a medalha que traz ao peito com uma fotografia do homem.

 

caxinas barcos pescadores 2014

 

Entretanto, a catraia acosta, e começa a azáfama. Uns a empurrar, outros a puxar, num ritmo sincopado com os gritos que todos soltam. José Vila Cova, 88 anos de vida, sempre com vista privilegiada para aquele mar e aquela praia (“Morei sempre aqui em frente”, explica), faz questão de sublinhar: “Isto não era bem assim. Isto é só uma fantasia, um teatro, uma recriação”, diz, com a autoridade de quem já escreveu livros sobre a faina piscatória da terra. “As mulheres entravam pelo mar adentro, ficavam com água acima do peito. E puxavam o barco para terra, e tiravam o peixe, e faziam tudo. Tudo. Elas é que mandavam. Os pescadores chegavam ao areal e enfiavam-se no tasco. Não faziam mais nada. Elas é que mandavam”, relata.

E, de olhos marejados, José continua: “Estes gritinhos não são nada. Lembro-me tão bem quando havia mar bravo, ali nos baixios (aponta para um local da praia onde há redemoinhos), e se via os homens a remar sem sair do sítio. E as mulheres, ali tão perto, na praia, com água pela cintura… Eles a remar, a remar, e elas aos gritos. Mas gritos mesmo. Gritos de medo. Assisti, algumas vezes. E ainda hoje me custa lembrar”.

Ali ouviam-se gritos de alegria. Pregões. Abel Coentrão (jornalista do PÚBLICO), presidente da Associação Cultural Bind’ó Peixe, que organizou esta recriação, explica que não houve ensaios, e que tudo aquilo a que se assistia no areal era fruto do improviso. Nessa altura, já as mulheres multiplicavam os pregões, uma tentando falar mais alto do que a vizinha do lado, outra ainda tentando “dar a volta” ao guarda fiscal que ali vinha pedir autorizações e reclamar o “dízimo”.

“Estes homens e mulheres não precisavam de ensaiar. Precisavam de reviver. Foi isso que lhes pedimos, que trouxessem as suas memórias, mesmo que elas, por vezes, atraiçoem”, explica Abel Coentrão. A Associação Cultural Bind’ó peixe tem dez meses apenas, mas há dois anos o jornalista começou a “acender”, numa página na Internet e no Facebook, o Farol da Memória de Caxinas e Poça da Barca, com o intuito de recolher e divulgar as memórias. “Para nós, caxineiros, estas memórias são património. E acreditamos que esse património pode ser transformado em cultura”, sintetiza.

Habituados a ver movimentação mediática pelas Caxinas apenas quando há náufragos — já não há porto de pesca por ali, mas os seus habitantes continuam muito ligados ao mar, com barcos matriculados em quase todos os portos do país —, este domingo as razões eram boas. José Vila Cova admitiu, no final da encenação: “Já chorei de alegria”.

Elisa Ferraz, presidente da Câmara de Vila do Conde, era outra das presentes, perdidas no meio da assistência. No final, confessou ao PÚBLICO que trazia muitas expectativas para este evento. “Estas actividades estão muito presentes na minha memória. Não sou de Caxinas, sou de Vila do Conde. E Caxinas é Vila do Conde. É um lugar. Mas é, e continua a ser, uma das maiores comunidades piscatórias do país. Ver a forma como as pessoas se entregaram para participar, viver este momento, foi extraordinário.” As expectativas não saíram defraudadas.

Eva Marques é das que continuam a entregar o seu dia-a-dia ao mar e aos seus caprichos, apesar dos seus quase 80 anos. “A minha vida foi muito esquisita. Passei muita fome e muita miséria. Os homens vinham do mar e nós, as mulheres, atávamos as redes, descarregávamos, apartávamos, íamos vender o peixe. Primeiro, para o meu marido. Agora, para os meus filhos.” Já não há tanta miséria, mas a luta é a mesma. “É verdade. Ainda ando nesta vida. Que remédio. O barco é meu. Tenho de andar.” Até que a morte a leve. Sempre ligada ao mar. “Não sei fazer mais nada”, termina.

O luto mostra-se nas varandas, as saudades levam-se ao peito
Uma semana depois de se terem engalanado para assistir à passagem da procissão do Senhor dos Navegantes, as varandas da principal avenida das Caxinas, a Av. Dr. Carlos Pinto Ferreira, estiveram enfeitadas com lençóis brancos a revelar rostos (e “esmaltes”) de mulheres vestidas da preto. O preto não é só uma “coincidência”, é uma linguagem reconhecida e aceite como sinal de luto ou viuvez. Mas foi a perseguir as histórias que estão por detrás de cada “esmalte” — o nome que em Caxinas se dá ao medalhão ou alfinete com o retrato emoldurado de familiares que já partiram — que Helena Flores, autora da exposição de fotografia contemporânea que permanecerá exposta nas varandas, até final do mês de Agosto, encontrou o conceito para o seu trabalho: “Saudade levada ao peito”.

 

caxinas posters mulheres 2014 luto

 

Numa terra onde as mortes no mar são uma notícia recorrente — o padre de Caxinas já enterrou quase uma centena de pescadores nos menos de 20 anos que leva à frente daquela paróquia —, Helena Flores faz questão de frisar que os seus retratos não revelam apenas viúvas de pescadores, nem “esmaltes” a evocar náufragos. São também retratos de avós que perderam netos, ainda crianças, ou filhas que perderam a mãe. “Interessava-me retratar esta tradição das Caxinas, onde os retratos dos que já morreram continuam a ser mostrados na rua. Como se fosse uma forma de manter a pessoa viva”, explica a autora.

É também uma forma de dizer, “eu amo”, lê-se na sinopse desta exposição produzida pela Bind’ó Peixe. Porque, como escreveu o caxineiro Valter Hugo Mãe, “na morte há sempre uma celebração a fazer: a de nos constituirmos como memória daqueles que morrem, e sermos ainda uma manifestação das suas vidas”.

Ao todo, foram 17 retratos, pendurados em varandas escolhidas de forma mais ou menos aleatória. Maria dos Anjos António abriu as portas da sua casa para expor o retrato de Maria Adelaide de Santos Maio. Não é da família, nem a conhece muito bem. “Sei que mora frente ao meu irmão”, explica, acrescentando que deixava a sua varanda tornar-se montra de qualquer pessoa daquela comunidade. “Se é para mostrar as nossas tradições, não havia nenhuma razão para não participar”, conclui.»

adaptado do artigo de Luísa Pinto – PÚBLICO

foto 1 – Renato Cruz Santos

foto 2 – Paulo Pimenta

foto 3 - Farol da Memória de Caxinas e Poça da Barca



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Segunda-feira, 8 de Setembro de 2014
Pescadores da minha terra.

 

Tio Luíz Nicolau

 



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Quinta-feira, 7 de Agosto de 2014
Pescadores da minha terra.

 

Tio Domingos da Pêdra - O Laranjeira

 



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Quinta-feira, 22 de Maio de 2014
3º Encontro da Rede Nacional da Cultura dos Mares e dos Rios.


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Terça-feira, 18 de Março de 2014
Pescadores da minha terra.

 

José da Silva Braga - O Peroqueiro

 



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Terça-feira, 17 de Julho de 2012
João Canijo a rodar entre mulheres... das Caxinas.

 

«Foi a enchente que Vila do Conde ainda não tivera este ano - e foi-o porque a comunidade das Caxinas foi em peso examinar o retrato que João Canijo dela faz. Que a sessão tenha começado já depois da meia-noite prevista não fez ninguém arredar pé; que a afluência (e a confusão de entradas e saídas de sempre que a lotação esgota) tenha forçado muita gente a ser chutada para o segundo balcão não levou a grandes resmungos.

Não é todos os dias que as Caxinas "saltam" para o grande écrã - e Obrigação, o documentário que Canijo foi rodar à comunidade com uma equipa de estudantes do programa Estaleiro do Curtas, com o aval e a colaboração dos pescadores, passou a "prova de fogo", com gargalhadas e aplausos. Mesmo se, como o realizador fez questão de adiantar, o que se viu não fosse "o" filme, antes o "filme possível" neste momento. 55 minutos que são apenas um fragmento (coerente, consistente, mas apenas um fragmento) de uma longa que há-de surgir mais para o fim do ano.

Obrigação é, apesar da presença da actriz Anabela Moreira, um documentário imersivo, "puro e duro". E é também um filme que se inscreve em simultâneo na ancestralidade dramática e no olhar sobre os universos femininos que tem marcado a mais recente e fulgurante fase do cinema de Canijo. O olhar é sobre uma comunidade de pescadores, sim, mas filmado pelo "outro lado": as mulheres que são motor, âncora e leme da célula familiar, que "aguentam o forte" enquanto os homens estão no mar. O filme pode ressoar com esse arquétipo recorrente da "mãe-coragem", mas foge à tragédia dessas ficções para explorar uma tonalidade mais luminosa e menos austera.

A "obrigação" do título é o tradicional papel feminino na comunidade: ser ao mesmo tempo esposa, mãe e mulher de negócios, tão à vontade a fazer pequenos mimos para receber o marido como a discutir na lota o preço do linguado ou a fazer contas aos ganhos da semana. Anabela Moreira é, em todo este processo, o "pauzinho na engrenagem" essencial para que o universo se abra ao espectador; simultaneamente intrusa e amiga, investigadora que procura perceber e iniciada que descobre os segredos desta camaradagem feminina, é através dela que vemos as Caxinas por dentro e encontramos a humanidade que os olhares apressados e os lugares-comuns muitas vezes não deixam ver.

E esse frémito da vida real, potenciado pela imersão dos longos planos e da unidade de tempo (o filme passa-se no interregno entre a chegada de uma faina e a partida para outra), passou intacto para a sala, com os risos e as "bocas" dos espectadores como expressão máxima do reconhecimento. Obrigação pode ainda não estar acabado (e sente-se essa dimensão de "excerto" de que Canijo fala), mas já é um filme completo.»

 

texto e foto in Público – Jorge Mourinha.

 

É com enorme prazer que se vê esta comunidade saltar para o grande ecrã, e pela mão de realizador de tão grande nomeada. Sendo um trabalho especial para imensas famílias das Caxinas (e não só), é-o também para mim, pois a minha mãe é precisamente uma "mulher (poveira) da obrigação" há mais de 45 anos. Foi entre estas mulheres que dei os primeiros passos e cresci, na azáfama da chegada do peixe ao areal da velha praia dos pescadores da Póvoa. Foi entre elas que me apercebi que nelas estava toda a organização da vida em terra, pois os homens passavam a semana inteira no mar. A descrição que neste artigo o jornalista delas faz, é perfeita! Aguardamos pois impacientes a estreia do dito filme.



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Terça-feira, 3 de Julho de 2012
Núcleo Museológico de Vila Chã - 3.ª actividade cultural.

 

 

Irá decorrer no dia 7 de Julho de 2012, pelas 21:30h, a 3ª Actividade do núcleo museológico "Memórias de uma Terra", em Vila Chã, Vila do Conde.

Estará subordinada ao tema "Riscos Geológicos" e o convidado especial será o geólogo Serpa Magalhães. Serão discutidos pontos como "Que importância têm a geologia nas populações costeiras" ou "Probabilidades do avanço do mar". - Entrada livre.


video - Neptuno - Brindes e decoração.

 

Núcleo Museológico de Vila Chã

Travessa do Sol

4485-743 -Vila Chã, Vila do Conde.

Telf. 229 285 607



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Sexta-feira, 13 de Janeiro de 2012
Pescadores da minha terra.

 

 

Tio António Capelão

 



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