Quarta-feira, 7 de Outubro de 2015
Dóris de bronze.

 

No ainda “Lugar” das Caxinas existem muitas casas e muitas dessas casas são de pescadores, que o foram, que o são, ou que o voltarão a ser. Há quem tenha o bom gosto de mandar pintar em azulejo, à boa maneira portuguesa, o barco que pertenceu à família, o que lhes trouxe uma vida melhor. São muitos deles pinturas coloridas e outros, apenas no tradicional azul cobalto em memória dos tempos mais recuados ainda sem barcos a motor, o tempo da vela nas “cascas de noz” dos avós e bisavós.
O que não é comum é representar esse passado marítimo da família... em bronze. A imagem mostra uma dessas casas nas Caxinas, a 3 minutos do mar, onde preferiram guardar a memória não dos barcos locais mas sim dos “simples e frágeis” dóris da Grande Faina, a pesca do bacalhau. Por certo a memória nesta casa será muito grande, como o é pela comunidade fora (mas não exibido) e o apego destas gentes ao mar, misturado com o necessário sentido sacro-profano está bem representado no número do dóri, o 13.
Nos inícios de cada campanha bacalhoeira, a cada pescador era sorteado o seu dóri e respectivo número, acto que para muitos era da maior importância, pois a superstição faz parte da vida do mar, mesmo ainda hoje em dia quando achamos que “sabemos tudo”. Números que para uns seriam sinal de desastre, para outros eram tomados já como forte sinal de vitória contra as agruras daqueles mares e azares que viessem. A confiança era total e o “simples número” era comentado no decorrer dos dias conforme as surpresas que o mar, o capitão ou os camaradas traziam.


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Domingo, 17 de Agosto de 2014
A preto e branco.

 

Este miúdo recorda-me a minha infância nos anos 80, quando ia pescar com o meu pai exactamente desta forma, nas pedras do cais Sul, ali na Favita. Com umas linhas ou uns arames, um par de anzóis na ponta e isco conforme houvesse, pulga da areia, sarrada, ou lapas, tudo servia para passar uma bela tarde. Eram tardes de Verão que eu desejava sempre que não acabassem, mas as horas não davam tréguas e por volta das 7 da tarde iamos embora comigo a pensar o caminho todo quando seria a próxima vez. Traziamos um saco cheio de marachombas e por vezes um par de lulões em dias de sorte. Mas não era o peixe o mais importante. Magnífica era toda aquela interacção com a beira-mar. A foto é de Artur Pastor.


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Sexta-feira, 11 de Julho de 2014
“E vós, ó cousas navais, meus velhos brinquedos de sonho!”.

 

O título deste artigo, uma expressão de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), define muito bem o que representam as coisas navais para mim e certamente para tantos mais no nosso país. Nos últimos 6 anos, meti mãos-à-obra e iniciei o trabalho em modelos de barcos tradicionais portugueses, iniciando-me com um relativo à pesca do bacalhau e outro da família do conhecido barco poveiro, do noroeste português, uma catraia.

 

No entanto, quando as condições se reuniram, antes de tudo estava primeiro a memória e nessa memória estava o meu primeiro "modelo", teria eu uns 10 anos. Por isso, a primeira coisa que fiz foi arranjar uma simples lata usada e transformá-la num barco, tal como o meu pai me ensinou há mais de 30 anos atrás. Naquele dias, foi feito com uma faca de mesa velha e um martelo, nada mais. Agora, já recorri ao alicate e tesoura, para uma proa e ré mais elaboradas.

Era com brinquedos destes e outros que os chamados "ratos-de-água" brincavam na pequena ondulação dos fieiros abrigados e se imaginava o dia em que iriamos andar dentro dos barcos grandes ancorados. O destino não o quis assim e hoje, noutro país sentado em trabalho frente a um computador, continuo com a mente nos barcos e no mar, certo que é junto deles o meu lugar.
O barco de lata, para o qual sempre vou desviando o olhar, foi sem dúvida um "brinquedo de sonho".


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Sexta-feira, 16 de Setembro de 2011
O regresso.

 

Após oito anos e meio, é tempo de regressar a Portugal, de vez. Tudo neste blogue nasceu e se desenvolveu no estrangeiro, e não tenho agora dúvidas que a melhor forma de perceber de onde vimos e quem somos... é estando longe das origens. Recomendo a "aventura" de sair de Portugal.

 

Espero ter condições daqui para a frente para continuar dedicado às coisas do mar. Acredito que sim, pois ganhei muito com isso, em conhecimento e em amizades.


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Quinta-feira, 8 de Setembro de 2011
Da minha terra.

 

 

Obras de construção da Casa dos Pescadores de Vila do Conde, situada nas Caxinas em frente ao mar. Várias vezes lá fui quando era miúdo, ao médico e quase sempre me perguntava para que seriam aqueles curiosos degraus em granito, dispostos em "caracol" no exterior do edifício, visíveis aqui no estremo esquerdo da foto, e que parecem não levar a lado nenhum. Também o interior do edifício me deixou memórias, com os seus bonitos azulejos tipicamente portugueses, em azul e branco e com vários motivos animais, ou os grandes bancos de espera em madeira, já bem gastos pelo tempo e a estalar ao peso de quem neles se sentava.

imagem – Espólio Fotográfico Português

 



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Quinta-feira, 9 de Junho de 2011
Vila do Conde, anos 60.

 

«Será inaugurada no próximo dia 11 de Junho, pelas 17h30, no Centro de Memória de Vila do Conde, a Exposição Vila do Conde nos anos 60. Este evento está aberto a toda a comunidade, pelo que o Município de Vila do Conde convida todos os interessados a estarem presentes.
A exposição “Vila do Conde nos anos 60” é resultado da vontade de um grupo de amigos, liderados por José Cunha e José Guedes que, em conjunto com o Município de Vila do Conde, através do serviço de Arquivo Municipal, procura mostrar o que foram os anos 60 em Vila do Conde. Nesta exposição estarão expostos documentos, objectos, imagens fotográficas, entre outros, ilustrativos da vivência cultural, desportiva, recreativa, etnográfica e quotidiana dos vilacondenses nesta década. Não deixaremos de assinalar as vitórias dos nossos clubes e desportistas, as cheias do rio Ave, o inicio da Guerra Colonial, que este ano assinala o seu 50º aniversário, as festas de S. João, entre outros temas, ao som das músicas que marcaram este período. Um carro de corridas, uma bicicleta desse período, ou uma embarcação alusiva à pesca, a título de exemoplo, não faltarão também.
A abertura da exposição, que estará patente até 25 de Setembro, celebra ainda o Dia Internacional dos Arquivos e evoca a memória do Dr. Joaquim Pacheco Neves, uma vez que a 11 de Junho se assinala o aniversário do seu nascimento.»

 

via Câmara Municipal de Vila do Conde online.



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Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011
Pelas palavras de Raúl Brandão.

«Do outro lado do Cávado é Fão, onde surpreendo de passagem uma linha alameada de árvores, e logo a seguir a estrada que se deita a caminho entre os campos para a Póvoa de Varzim. Nestas terras rasteiras sente-se sempre a atmosfera marítima. O milho é anaínho e as árvores agacham-se para suportar o vento. Além, pelo areal, fica a Apúlia; mais longe, através dos eternos pinheirais, a Aguçadoura, por fim Aver-o-mar.

Em todo o longo percurso da estrada só encontro poveiras que acarretam sardinha. A Póvoa fornece e alimenta todas estas povoações. Descalças, de saia arregaçada, correm num passo miudínho, ajoujadas sob o peso... . Já me aproximo outra vez do mar. Sinto-o, vejo-o. Um rasgão no panorama e lá está o azul vivo, o azul esplêndido. Respiro-o. Atravessando Aver-o-mar, estou na Póvoa de Varzim.»
 
Raúl Brandão, 1921 – “Os Pescadores”.
 
Uma destas muitas poveiras que acarretavam a sardinha e a vendiam pelas aldeias do interior, era a minha avó materna. Esta imagem mostra quase na exactidão as primeiras memórias que tenho dela, cerca de 1980, nas vestes, na gamela à cabeça e no detalhe da algibeira à cintura. Nessa altura ainda ia para as aldeias com uma gamela em madeira, ligeiramente maior que a da imagem, mas o percurso já era feito por autocarro. Antigamente era feito a pé e era imenso o número de quilómetros percorridos por estas mulheres diariamente.
Cristelo e Barqueiros, no concelho de Barcelos, eram dois dos locais habituais de venda do peixe e ao fim do dia chegava a casa com a gamela cheia de batatas, feijão, etc. Jamais me esqueço do pão de milho que trazia, pão por vezes já com vários dias e com gosto já ázimo, mas que os netos adoravam. Aos netos cabia a tarefa de por exemplo apartar o grande monte de feijão no chão, por côres, pois na aldeia vinha em tipos diferentes das várias casas. De notar que embora algum peixe fosse vendido, muito era “trocado” por bens agrícolas.
Até cerca de 1986, pelo Natal todos os anos, a minha avó pedia à minha mãe para ir com ela às aldeias buscar a “consoada”. Eu, com 7, 10 anos, de imediato saltava da cama às 5 da manhã, preparava as botas de borracha todo contente e lá íamos no autocarro. Já na aldeia, no silêncio e cheiro característico das terras longe do mar, ia-se a uma casa pedir um carro de mão emprestado e lá se ia depois de casa em casa. Quem levava o carro o dia todo era o puto, eu, pois não me ficava por menos. Adorava “guiá-lo” nas ruelas de aldeia, nos caminhos cheios de lama até não ter mais força para ele, já carregado de muitas coisas pelo final da tarde.
Para um miúdo a crescer à beira-mar, um dia destes pelas casas de aldeia era fantástico. Parecia um mundo diferente, campos, animais, as grandes cozinhas de algumas casas, onde nos davam a “corpulenta” sopa pelo almoço, os grandes portões que escondiam tractores, utensílios agrícolas, etc., a maneira de falar daquelas pessoas.
O dia terminava já com o Sol a pôr-se e um tio vinha de carro buscar-nos, carregando a mala com a “colheita”. Depois na noite de Ceia de Natal, com toda a família sentada no chão (a nossa tradição piscatória é consoar a noite toda no chão), ainda andava com a aventura anual pela aldeia na cabeça, e queria contá-la a toda a gente.

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Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2010
“O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos”.
«A reedição da minha tese “O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos” em Maio de 2006, depois de ter esgotado a 1ª edição, publicada na Revista Portuguesa de Filologia, Coimbra, com separata de 1975, reacendeu em mim o gosto pelas pesquisas de campo no litoral. As primeiras investigações, fonte deste trabalho, tiveram lugar na década de 60 e tive a sorte, apesar das embarcações tradicionais já desaparecidas, de ainda registar e ter conhecido outras que são completamente desconhecidas ou de que existe apenas um belo exemplar no Museu de Marinha de Lisboa: caso da barca da arte xávega São João Baptista e do calão com cornicho Alcindo Pereira, ambos algarvios, e do barco do mar de quatro remos da costa Norte, da bateira do mar Carlitos, da barca da Nazaré Maria Eulália, do saveiro da Caparica e  da bateira de Buarcos, entre outros.
Como já em 1985, após 20 anos dos primeiros trabalhos “in situ”, havia dado uma volta informal pelo litoral, colhendo imagens e entabulando conversas dirigidas com os pescadores, não seria má ideia pôr pés ao caminho para ver, “claramente visto”, o ocaso das embarcações tradicionais. São intervenções que distam umas das outras 20 anos e permitem tirar algumas conclusões. Se nos anos 60 e 80, era o crepúsculo das embarcações tradicionais, na douta opinião de Octávio Lixa Filgueiras, agora é um ocaso bem escuro e senti que o que havia a fazer era percorrer incessantemente o litoral para recolher um ou outro exemplar, quase todos embarcações miúdas, fotografá-las (é o mínimo que se pode fazer), descrevê-las, medi-las, para que a sua memória perdure e haja elementos para se reconstituírem, se para tal houver interesse. Sobretudo, divulgá-las. Num quotidiano em que as comunidades cada vez mais voltam as costas ao mar, a cultura marítima corre o risco de se perder.
 
As pequenas embarcações de madeira, já nos anos 80 com popas cortadas para a aplicação de motores fora de borda, ainda reflectiam os materiais de construção autóctone, como as madeiras de pinheiro, de carvalho, de castanheiro e outras, a estopa do calafate, o ferro para reforços, o arame para armadilhas de pesca, o sisal para cabos, a cortiça para bóias, a lona para velas, etc.
Hoje, materiais modernos como o plástico, a esferovite, o nylon, o aço inoxidável, o contraplacado marítimo e a fibra de vidro, para além da motorização sistemática, em detrimento dos remos e da vela, são a realidade com que deparamos e que temos de aceitar, quer gostemos, quer não.
De maneira alguma somos contra a evolução e o progresso, pois a condição de vida da classe piscatória tem de melhorar, de evoluir, as práticas de pesca têm de se modernizar, as condições de segurança de se reforçar e para isso são necessários os vários portos de abrigo que têm vindo a ser construídos ao longo do país, na última década.
 
Mas lá que a beleza colorida dos areais, a vivacidade e a algazarra das lotas na praia, o alar e o varar tradicionais no areal se foi perdendo, isso é uma verdade.
A substituição de embarcações de madeira por outras de fibra de vidro, mantendo as primeiras válidas sob o ponto de vista cultural, é extremamente difícil, porque a sua substituição legal actualmente exige o abate da primeira por destruição do exemplar em questão. Algumas associações de defesa do património lutam com esse problema. O que nos resta fazer perante este panorama?
Devemos voltar a construir essas embarcações recuperando os modelos, as formas, e as técnicas de construção naval, isto é, as tais réplicas navegantes, como os casos da gamela de Carreço, da catraia de Esposende, da lancha poveira do alto da Póvoa de Varzim, de algumas embarcações do rio Tejo, recuperadas por Câmaras ribeirinhas e do caíque de Olhão recuperado pela Câmara Municipal de Olhão, em 2002?
Devemos musealizá-las, como o caso do Museu Marítimo de Ílhavo com as embarcações da Ria e do Museu de Marinha de Lisboa, para citar dois dos casos que me são mais familiares?
Devemos utilizá-las como elementos decorativos em rotundas ou centros comerciais? Ou simplesmente, devemos estudá-las e divulgá-las?
Presentemente, nesta perspectiva, ainda só consegui revisitar a zona marítima ocidental, de Norte para Sul que vai da Aguda à Praia de Vieira, a costa desde a Caparica a Fonte da Telha e o Algarve na sua totalidade, de Vila Real de Santo António a Sagres e ainda Carrapateira e Arrifana, na costa vicentina.
Já é uma boa fatia do nosso litoral, que tenciono retomar logo que as condições atmosféricas o permitam, para poder constatar o que na realidade se passa.
As embarcações tradicionais portuguesas sempre me apaixonaram e tinha imenso gosto em comparar os anos 1960, 80 e a primeira década do séc. XXI, depois de já ter levado a cabo um confronto inicial com as existências registadas por Baldaque da Silva na magnífica obra “Estado Actual das Pescas em Portugal”, publicada em 1891.»
 
Dr.ª Ana Maria Lopes, Ílhavo, 5 de Fevereiro de 2007
Texto publicado na Revista da Armada nº 408, Maio 2007
 
Tendo eu nascido em 1975, tenho ainda algumas memórias dos anos 80 e dos barcos de pesca por entre os quais brincava no porto da Póvoa de Varzim, alguns deles grandes motoras no areal para se lavar o limo do casco e dar uma pintadela, algo que cheguei a ir fazer com o meu pai quando miúdo. Hoje em dia, após alguma investigação e conversas mais a fundo com o meu pai, cada vez mais se descobre deste mundo de pesca desde os anos 50 até os 80, de catraias, gasoleiros, e motoras e como diz a Drª Ana Maria Lopes, tudo mudou a partir daí nos materiais e formas das embarcações (para melhor e para pior). Em Vila do Conde constroem-se barcos de pesca em fibra de vidro e alumínio, mais resistentes e “seguros”, mas confesso que não gosto sequer de olhar para eles, parecendo completos “trambolhos quadrados”, mas é o que se faz hoje em dia.
Sou adepto do modelismo naval de barcos de pesca e várias vezes digo que “tive sorte” em ter nascido ainda num tempo em que a Póvoa de Varzim não tinha marina. Era fieiro, muitos e muitos barcos e uma baía de água calminha onde ratos d´água como eu fui brincavam com barquinhos de lata, madeira, plástico e cortiça.
A foto é da autoria do fotógrafo Poveiro Neca Morim, 1954


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Terça-feira, 22 de Dezembro de 2009
Larus Cachinnans.
Andava eu a investigar sobre o pombalete, ave que vive e nidifica nas regiões frias do Atlântico Norte, e que os pescadores do bacalhau costumavam usar como isco quando este escasseava a bordo, e descobri uma curiosidade sobre a tão comum gaivota que povoa as costas de Portugal e não só. O seu nome oficial em latim é Larus Cachinnans e é muito comunm vê-las principalmente durante o Inverno a correr a praia deserta das Caxinas em altos pios que ecoam pela beira mar. Não fazia eu ideia que as origens da terra e da ave têm em comum o “cachinare”, significando “rir às gargalhadas”.
As gaivotas adultas têm a cabeça, peito e parte inferior do corpo de cor branca, enquanto que o dorso é cinzento. O bico é forte, de côr amarelo intenso, com uma mancha vermelha na parte inferior. Nas extremidades das asas a côr é preta com rasgos de branco. Quanto às gaivotas mais jovens, demoram 3 anos a tornar-se adultas e durante este periodo vão mudando de tom gradualmente a partir do pardo pintalgado.
Alimentam-se de tudo o que seja pequeno o suficiente e comestível, desde animais marinhos a vegetais, insectos, pequenos pássaros (que atacam em pleno voo) e ovos (de outras espécies e por vezes os seus). O seu voo, parecendo por vezes atabalhoado, permite-lhe realizar espectaculares picados e subidas o que lhes permite a caça de outros pássaros. Andam e nadam com facilidade e têm por costume seguir os barcos de pesca para capturar os restos e peixes que escapam das redes.
Sendo habitualmente uma ave pacífica que permite a proximidade do homem, em altura de nidificação podem tornar-se bastante agressivas chegando mesmo a atacar em voos picados e em grupo. Os seus ovos, perfeitamente camuflados e a tez parda da plumagem dos jovens são perfeitos nas zonas onde nidifica, entre rochedos ou dunas nas praias.
Está provado que as gaivotas são monógamas e fazem par para toda a vida, embora não permaneçam juntas durante todo o ano. Nidificam sempre no mesmo local, reunindo-se através de chamamentos para reproduzir. A postura é normalmente entre 2 e 4 ovos e a incubação entre 26 e 28 dias. As gaivotas adultas de ambos os sexos encarregam-se da alimentação dos mais novos. É nesta altura que se pode notar melhor a mancha vermelha debaixo do bico. Os filhotes bicam esta mancha de forma insistente até o adulto regurgitar comida. Durante o crescimento, há sempre um progenitor no ninho de guarda, pois outras gaivotas costumam atacar ou roubar ovos da mesma espécie.
A gaivota alcança uma grande longevidade, chegando a passar os 20 anos, sendo a média 13. Embora as gaivotas da costa de Portugal não sejam migratórias, podem chegar a afastar-se dos seus locais habituais algumas centenas de kilómetros, dependendo do alimento e território. Também se descobriu que as maiores distâncias são percorridas pelas aves mais jovens.
A adaptação desta ave à civilização é enorme. Da alimentação baseada no mar, passou também a explorar os restos da sociedade, o que fez elevar bastante o seu número e levou certos pontos da Europa a tomar medidas de controlo.
Fica este resumo sobre esta ave que é tão comum para nós que passa quase despercebida no dia-a-dia da beira-mar. A partir de agora passarei a olhar para elas sabendo um pouco mais sobre quem realmente são... e que “cachinnans” são parte do nome.


publicado por cachinare às 08:15
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Quinta-feira, 20 de Agosto de 2009
A Vontade do Povo.

«O assunto da venda ilegal de peixe esteve em destaque na última reunião de executivo camarário da Póvoa de Varzim, depois de sucessivas queixas das vendedoras do Mercado Municipal que dizem que esta transacção constituiu concorrência desleal. O Póvoa Semanário foi até ao porto de Pesca da Póvoa de Varzim para saber como se processa essa venda e descobriu que são muitos os que passam pelas docas em busca de preços mais baixos.

Manhã de um dia da semana, na entrada do porto de Pesca da Póvoa de Varzim. Não há qualquer vendedora ambulante de peixe à vista, no entanto, são muitos os que passam, com sacos plásticos, vindos da zona da Doca.
Enquanto nos aproximamos dos cais de desembarque, começamos a aperceber-nos que, junto às redes de pesca e bem junto à lota, existe um aglomerado de cerca de meia centena de pessoas. É possível ver pescado a ser transaccionado, passando de caixas colocadas no chão ou dentro de carrinhas de transporte para os sacos dos compradores.
Bem no meio da confusão está um dos carrinhos de mão que eram visão típica nas ruas da cidade. Chegam dois agentes das Polícia Municipal e a reacção é imediata. Os vendedores correm com as caixas de peixe na mão, tentando escondê-lo dos elementos da força especial, a proprietária do carrinho arrasta-o com uma desenvoltura que faria inveja a qualquer velocista e tenta ocultá-lo por trás dos depósitos de água que ladeiam os cais.
Quem parece não estar a entender o que se está a passar, são os compradores de circunstância que, com um ar atarantado, olham à volta, tentando perceber a razão de tamanha comoção. Muitos deles, escolheram a praia da Póvoa para passar o dia e aproveitam para levar para casa pescado mais barato, trazendo, até, arcas frigorícas para mantê-lo nas melhores condições.
Depois da surpresa inicial, e com os agentes a manter-se no local, começa a sentir-se uma tensão crescente que redunda em alguns comentários dos populares. “Neste país só se prejudicam os pobres”, grita uma senhora vestida de negro, enquanto exibe a mão fechada em tom ameaçatório. “Já viestéis tarde, pois em vez de apanhar apenas uns saquitos de peixe, poderiéis levar umas caixas”, ironiza um homem enquanto sorri.»
 
in Póvoa Semanário - 29 de Julho, 2009
 
E a sorrir fico eu com esta história sobre algo que sempre fez parte do povo da Póvoa, mas que foi também “limpo” para não “envergonhar” mais a imagem da cidade. É que eu quando era miúdo por meados dos anos 80, andei muitas vezes durante o Verão com a minha mãe a vender peixe, principalmente em frente à antiga lota (que tantas e belas memórias me deixou). Tínhamos um daqueles carrinhos de mão, “tão típicos das ruas da cidade”, como diz o autor do artigo, e era eu sempre o “piloto”, pois adorava aquilo. Foram uns 3 ou 4 desses “atrelados” lá em casa com o passar dos anos.
Já naquela altura se sentia a preocupação pela polícia (estou a falar de 1985, não do Regime) e de vez em quando surgia a patrulha de carro de repente, e era ver o mulherio a esgueirar-se por aquelas ruelas da cidade. Algumas não podiam fugir a tempo e então respondiam simplesmente “foi comprado p´ra mim, Sr. Guarda”.
Para um miúdo, aquelas situações traziam alguma confusão ao porquê de se andar atrás de quem andava a ganhar o pão, como a minha mãe, que o fazia para ter mais algum ao fim do dia a ver se dava para o leite e o pão do dia seguinte. Não conseguia perceber onde estava o crime.
A mulher do pescador quase sempre foi mulher da pescaria. As opções eram duas: ou ficava em casa, na sua maioria mulheres de pescadores emigrados, ou andava a vender peixe, pois o que o homem trazia ao fim-de-semana nem sempre chegava. Quando se começaram a construír mercados municipais... passaram as peixeiras ambulantes a ser “concorrência desleal” e as queixas a chover na Câmara. Se me derem a opção de comprar peixe no mercado, ou directamente dum barco no cais... é certo que vou ao barco e a razão é simples: preço + qualidade, com o extra de presenciar ao vivo a vida da pesca, som dos barcos e sua gente.
Em tempos idos, o peixe era vendido “na hora” mal os barcos arribavam aos areais e não se queriam “intermediários”. Hoje em dia... dou só um básico exemplo: quanto recebe um pescador por uma (só uma) sardinha e quanto se paga por ela na noite de S.João. Não deveria o desgraçado que a foi pescar ter melhor ganho?
Conversa longa, esta seria.


publicado por cachinare às 08:10
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Quinta-feira, 30 de Julho de 2009
Memórias subjectivas da pesca do bacalhau.

Este texto é a transcrição de um artigo da autoria de José Milhazes, publicado a 24 de Maio de 2009 no seu blogue Da Rússia. Actualmente a viver em Moscovo, José Milhazes é um conterrâneo “híbrido” como eu, das Caxinas e Póvoa de Varzim. Aqui ficam algumas das suas memórias sobre a pesca do bacalhau de finais dos anos 60:

 
«Eu não andei a pescar bacalhau na Terra Nova ou na Groenlândia, mas só talvez porque tenha nascido quatro anos mais tarde do que o meu irmão mais velho, o último membro da família a embarcar num navio que, segundo me recordo, ainda tinha velas, foi o “Luísa Ribau”.
Recordo-me desde a mais tenra idade dessa aventura dos pescadores da Póvoa de Varzim e Caxinas, das histórias que contavam o meu avô, o meu pai, tio, cunhados e irmão.
Recordo-me dos preparativos para a pesca do bacalhau, que começavam na casa de cada bacalhoeiro. Lembro-me de ver o meu avô, pai e tios a talharem as velas dos botes no quintal da nossa casa na Poça da Barca, recordo-me do cheiro a óleo de peixe que eles utilizavam para tornar as velas impermeáveis.
Em frente de minha casa, havia ainda uma pequena cordoaria, pertencente a Francisco Quintas, o criador da grande empresa de cordoaria e cabos que ainda existe. Aí, os pescadores preparavam as linhas para pescar.
Não me lembro de os meus pais me terem levado alguma vez a Lisboa quando da partida do navio para a Terra Nova, no caso do meu pai, o “Vaz”, pois não era costume levar os filhos à despedida. Lembro-me que chegava um camião para carregar os grandes sacos de lona com a roupa e os pipos de vinho, que deveriam dar para seis meses de faina. Um ou dois dias depois, chegava a camioneta que levava os homens. E isto repetia-se ano após ano.
A ansiedade era grande quando nós, crianças, começavamps a ouvir falar do regresso dos bacalhoeiros. Recordo-me que, à noite, a minha avó e minha mãe ligavam um rádio enorme que tínhamos em casa para apanhar (como se dizia nas Caxinas) as comunicações dos navios quando começavam a chegar aos Açores.
Quando se conseguia determinar a hora e o dia da entrada na barra de Aveiro, começava a azáfama de juntar as esposas de todos os marinheiros da Póvoa, Caxinas e Vila do Conde para alugarem o autocarro que deveria trazê-los para casa. Nós crianças tinhamos direito a “farpela nova”, embora seis meses de ausência dos pais em casa, obrigavam muitas das mães a irem penhorar roupas e outros valores até que chegasse o dinheiro conseguido na viagem desse ano.
Entre as minhas recordações mais remotas da infância estão a viagens a Aveiro, as entradas no navio “Vaz” e a imagem do capitão do navio, Armindo Ré, que os marinheiros diziam ser um homem duro, mas que para nós crianças não passava de um velho simpático. Quando não íamos a Aveiro, ficavamos à espera da chegada da bagagem, pois havia sempre a pequena esperança de que lá vinha uma pequena prenda de São João da Terra Nova: alguma peça de roupa estranha ou algum brinquedo. Mais tarde, quando comecei a fumar às escondidas, as esperanças eram maiores porque se sabia que os bacalhoeiros traziam marcas de cigarros raros.
Íamos esperar os camiões carregados com os sacos às Caxinas, onde, nessa altura, a miudagem local nos recebia de uma forma mais cordial do que habitualmente. Entre os rapazes de que me recordo está o André, conhecido jogador do F.C.P., cujo pai era camarada do meu no “Vaz”.
Embora o meu pai trouxesse sempre óleo de fígado de bacalhau, isso não era o petisco preferido. As latas enormes, de três ou cinco quilos, de margarina e manteiga eram uma autêntica delícia para o nosso pequeno-almoço. As caras, as línguas de bacalhau ainda não eram as iguarias de hoje para nós.
Depois vinha a semana das “estórias”, em que à noite, depois da ceia, se ouviam as aventuras da safra: desaparecimento de botes, fuga de alguns pescadores para o Canadá e os maus tratos recebidos do comandante, os desembarques em São da Terra Nova, etc.
Recordo-me que eu e minhas irmãs podíamos ficar a ouvir durante toda a noite, não fosse a minha mãe ou pai mandar-nos para a cama. Esses relatos do meu avô, do meu pai, tios, irmão e cunhados nunca me atraíram para o mar, compreendia apenas que eles suportavam tudo aquilo para evitar a guerra do ultramar (oito anos de pesca de bacalhau permitiam evitar o serviço militar), mas recordo-me das palavras de meu pai de que a tropa estava longe de ser pior do que a “escravatura do bacalhau”.
Regressados do bacalhau, os pescadores íam trabalhar para os barcos de pesca da Póvoa e Caxinas até à próxima partida para o bacalhau.
E assim durante gerações, anos... Francisco, Agonia, Carlos, João, Alberto, José, Filipe... uma lista interminável de familiares e conhecidos que atravessaram a “epopeia do bacalhau”...
“São Ruy”, “Santa Joana”, “Vaz”, “Creoula”, “Sernache”, “Luísa Ribau”... são apenas alguns dos nomes de navios bacalhoeiros que encalharam para sempre na minha memória.»
 
por José Milhazes – 24.05.2009 – blogue Da Rússia.
foto de gdraskoy.


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Quarta-feira, 6 de Maio de 2009
Vasco Granja, 1925-2009.

Faço 34 anos dentro de um mês, e este senhor é uma das referências da minha vida. O senhor Vasco Granja faleceu há dois dias atrás em Cascais depois de uma vida dedicada à animação mundial, e como a mim, marcou muitos miúdos da minha geração em Portugal que escrevem imenso sobre ele nestes últimos dias e não só.

Era um perfeito contador de histórias, através dos bonecos que seleccionava para cada um dos seus programas na tv e os que mais me marcaram na altura eram oriundos da Europa de Leste, muitos baseados em marionetas. Vinham de países “estranhos e cinzentos” como a Checoslováquia, Polónia, Roménia, Hungria, etc e nunca mais os esqueci.
Nunca o imaginaria na altura, mas hoje vivo e trabalho num desses países, a Polónia e desde que cá cheguei há 4 anos, que tenho mencionado a colegas conhecer vários dos seus bonecos de animação desde miúdo. A reacção é sempre de surpresa, sobre como alguém do distante Portugal pode conhecer coisas que supostamente não passavam pela Cortina de Ferro. Vários destes bonecos fazem hoje em dia por cá parte de spots publicitários, vistos como imagem de marca da Polónia.
Fica o meu agradecimento público ao Sr. Vasco Granja por nos ter mostrado que para além de uma Cortina de Ferro, onde a vida realmente era tão cinzenta e difícil para a maior parte das pessoas sob a mão do Comunismo, existia uma singeleza e humildade tão bem expressa na arte da animação destas gentes. O desenho que aqui apresento, obra de Tadeusz Makowski, é um perfeito exemplo disso.
 
Descanse em paz, Sr. Vasco Granja, e obrigado.
 
Sobre a vida de Vasco Granja.

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Sexta-feira, 22 de Agosto de 2008
Arte marítima.

 

A Day at the Beach”  -  Richard K. Loud
 
Obra que me traz imensas recordações semelhantes nas praias da Póvoa de Varzim ou das Caxinas, onde até há 20 anos atrás se brincava assim. Embora com barcos diferentes (e sem veleiros no horizonte), brincava-se debaixo de botes virados no areal, descobriam-se sempre coisas no meio da areia que despertavam a imaginação e puxavam-se por um cordel pequenos barcos de lata, madeira ou plástico nas pequenas ondas da calma baía da praia dos pescadores Poveira. Cardumes de taínhas, grandes ou apenas de centímetros povoavam as águas calmas e tépidas, bem como berbigão ou ameijoa ali à mão de semear. Havia outros peixinhos de aspecto assustador e espinhoso que pareciam correr na areia do fundo a grande velocidade, pequenos caranguejos e vultos escuros visíveis debaixo de água mais ao largo, que traziam seres assustadores ao pensamento e que não passariam de molhos de algas. Hoje, toda a baía é uma marina de recreio e apoio ao porto de pesca, desde há uns 15 anos. Toneladas de areia foram retiradas, rochedos à flôr da água bem conhecidos pelos pescadores desde há séculos que faziam parte do horizonte da comunidade foram britados e nada se vê a representar o passado. Mas há pouco tempo atrás notei que numa pequena secção da baía se havia formado de novo um pequeno areal, onde as pequeninas ondas de 10 e 20 cm voltam a enrolar e lá voltarei, para uma viagem no tempo.


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Quarta-feira, 16 de Julho de 2008
Uma vida de mar.

Hoje é o aniversário do meu pai. São 60 anos todos eles vividos à beira-mar, desde que deu os primeiros passos pela praia das Caxinas e fieiro da Póvoa de Varzim. Aos 11 anos foi para o mar com o avô na pequena catraia que possuía de nome "Jesus Maria José" dum lado e "Sagrada Família" do outro, onde aprendeu as artes de pesca ao trol (à linha) entre outros segredos do mar. Aos 14 anos e tendo o seu pai terminado uma vida de 15 anos de pesca ao bacalhau há pouco tempo, passou a ir ao mar numa pequena motora em parte já pertença da família, de nome “Cego do Maio”, bonita embarcação típica de popa de leque (redonda) que marcou todos os anos 60 e 70 na Póvoa de Varzim e vários outros portos do país.

Celebrou os 19 anos já no mar largo dos Bancos da Terra Nova, na sua 1ª campanha de pesca ao bacalhau em 1967 a bordo do navio-motor “Novos Mares”, navio da mesma classe do “São Jorge” e “Vila do Conde”, entre outros e pertença da companhia Testas & Cunha de Aveiro. As 8 campanhas que fez ao bacalhau foram neste navio, do qual ambiciono arranjar os planos para lhe construír uma réplica à escala e oferecer de surpresa num futuro aniversário. Esta foto é de uma dessas campanhas, em 1971 a navegar ao largo da ilha de St. Pierre, entre a Terra Nova e o Cabo Bretão na Nova Escócia. Em 1974 passou o 25 de Abril dentro do navio ancorado no Tejo e já em ares de mudança, seguiram ainda para a Terra Nova, no entanto, seria uma campanha de reivindicações e era o fim anunciado da velha e característica pesca do bacalhau à linha com dóris. A campanha terminava mais cedo e o “Novos Mares” era historicamente o último navio de pesca à linha a abandonar St. John´s em 1974 rumo a Portugal, podendo talvez por isso e por ter sido o último bacalhoeiro em madeira construído nos estaleiros Mónica, ser considerado um navio histórico. Apesar disso e porque muitas vezes só se dá valor à história décadas mais tarde, o navio foi desmantelado e andam pedaços dele espalhados por Ílhavo, Malhada e Costa Nova.
Depois de 1974, foram vários os barcos locais por onde passou e há cerca de 15 anos que o trabalho de pescador é em terra. A foto que aqui mostro recordo-me dela desde que era pequeno, uma das fotos mais emblemáticas lá de casa, no entanto nunca imaginei ou soube o que realmente mostrava, pois a pesca do bacalhau era esta e mais 2 fotos e uma grande arca antiga de madeira revestida a chapa cheia de roupas de mar, grossas meias de lã antigas com buracos, roupas de oleado amarelas, botas de mar gigantes (para um miúdo) e até estralhos de fio de seda muito grossa. Só muito mais tarde me apercebi que aquilo eram relíquias da Faina Maior e que aos poucos tudo se tinha posto no lixo, para minha tristeza. Além disto pouco ou nada o meu pai falava da pesca ao bacalhau, até há um par de anos atrás quando comecei a investigar a sério este passado Português. Do pouco que sabia em miúdo era a “sopa da chora”, “St. Jones”, os estralhos de pesca e os “navios à vela” nos quais o avô tinha andado que me faziam imaginar como teria sido, pois navios à vela não eram do meu tempo nem os via na Póvoa entre os outros.
Hoje julgo que já estou mais “por dentro do assunto” e descobri muitas fotos dos navios à vela, mas nunca imaginara que o meu pai fora tal como o meu avô parte disto, de milhares de outros que participaram em tamanha epopeia de pesca, tão antiga e tão única. Fiquei muito contente pelo feliz acaso da foto do meu pai aparecer no recente álbum editado pelo Museu Marítimo de Ílhavo “Portugal no Mar – Homens que Foram ao Bacalhau”. Das cerca de 3.700 fotos, 16.000 ficam por mostrar e é em memória desses e dos do tempo em que não havia registos, que a Pesca do Bacalhau não deve ficar esquecida e há que a mostrar tal como era sempre mais e mais.
 
Agradeço ao meu pai a sabedoria do silêncio que o mar transmite, o pequeno bote de lata que me ensinou a fazer e as tardes de pesca nas pedras do cais, as 3 horas gravadas sobre os 8 anos de pesca na Terra Nova e muito mais que me mostrou e em breve me vai mostrar sobre o seu passado. – “P´ra hoje Deus deu. P´ra amanhã, Deus dará!”


publicado por cachinare às 07:37
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Quarta-feira, 25 de Junho de 2008
A preto e branco.

Esta é uma foto que por certo muita gente das Caxinas e Póvoa de Varzim reconhecerá, embora esteja a preto e branco. Será de princípios dos anos 80, julgo que no cais Norte da actual marina da Póvoa e mostra um guindaste enorme do qual me recordo exactamente como está na foto, tombado. À entrada do outro cais que envolve a marina já nas Caxinas, existia um guindaste igual à entrada e lembro-me de passar debaixo dele sempre que ia pescar com o meu pai para as pedras com umas linhas e anzóis, nas tardes abafadas dos sábados de Agosto. Como sabia bem a aragem fresca do vento no cais.

Na verdade, o meu primeiro “aparelho de pesca” foi um pau de vassoura com dois pequenos fios de seda (jarda) na ponta e anzóis pequeninos para as marachombas. O isco, eram pulgas da areia, previamente apanhadas no areal da parte de dentro do cais e metidas numa garrafa de cerveja Cristal, ou quando era possível a “sarrada”, um tipo de vermes que vive debaixo do mexilhão que cobre as pedras da maré baixa. Foi assim que comecei com uns 9 ou 10 anitos a andar pelas pedras do cais e quando passava por baixo daquele enorme guindaste amarelo e ferrugento, ficava deslumbrado com tamanho monstro que parecia adormecido há já muitos anos e quantas vezes perdia os chinelos de tanto olhar para ele.
Um dia vi que o guindaste fora deslocado até meio do cais e mais tarde, se bem me recordo, estava também tombado na água. Na altura nunca percebi porquê que lhe haviam feito aquilo e nunca mais o “guardião do cais” me recebeu e deixou passar por baixo das suas 4 pernas rumo à minha pescaria. Eventualmente seria desmantelado.


publicado por cachinare às 13:06
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Quarta-feira, 26 de Março de 2008
Caxinas dos sábios velhos.
Esta foto descobri-a há uns tempos e por pura sorte numa qualquer busca diária na internet. Estava publicada no blog antigamente1900, no entanto não a voltei a encontrar lá. A foto estava referenciada como sendo nas Caxinas e por isso guardei-a. Parece não haver dúvidas que será nas Caxinas, com o mar a partir nos rochedos e baixios ainda longe da praia e curiosamente é quase sempre deste ângulo que várias das fotos antigas das Caxinas estão tiradas. É aqui o tal “portinho” (ou “inça”, palavra ligada, na minha opinião ao “inçar” dos barcos para cima) das Caxinas onde se passava a maior azáfama diária e por tal seria o preferido dos fotógrafos. É a única foto que conheço onde se pode ver uma vela numa catraia ainda içada nalguns dos seus detalhes, tal como a embarcação que parece ser de casco trincado (de pranchas sobrepostas), o que denota quão antiga será a foto, provavelmente inícios do século XX.
Admirarei sempre estas fotos, pois nelas as gentes mostram vida e quase sempre sorrisos, num tempo em que pelos nossos parâmetros actuais, se vivia em pobreza e com vida dura (não sei bem o que isto quer dizer). Algo me diz que naqueles dias as gentes podiam passar fome e privações mas não sabiam o que era o “stress” das 1001 coisas que nos rodeiam hoje em dia. Nós com a nossa esperteza e “comodidade” moderna faz-me lembrar uma frase que muitas vezes ouvi lá por casa: “Os velhos é que sabiam-na toda!”
Dedico a foto a foto a todos os que se interessam pelas Caxinas em especial à Aurora, também Caxineira que tem toda a razão quando diz que nem todos os proprietários de barcos na nossa comunidade têm hábitos de novos ricos. Temos de tudo, como em toda a parte, mas quando falo cá na Polónia sobre a hierarquia e regras da comunidade piscatória à qual pertenço (com orgulho), custa muito às gentes de cá perceber um sistema quase feudal em que pescadores e mestres funcionam como "Senhor" e "Plebe". Os direitos e ganhos de um pescador são "ao Deus dará".
O normal na sociedade moderna são contratos de trabalho, salários, férias, 13ª e 14ª mês, subsídios de refeição, para não mencionar o resto. Bem sabemos que nas Caxinas e para quem é pescador, isto são direitos de outras gentes, não deles e até se riem com alguma mágoa escondida quando lhes mencionam estas coisas, pois "há que aceitar" as leis da pescaria local. Se o mar não der, não vem nada para casa e quando dá, nunca se sabe se vai chegar para a semana ou mês. Já da parte de quem é dono dos barcos a história é diferente... e não faltam os que esfregam opulência na cara da comunidade. Como disse, é normal e há de tudo neste mundo. Fiquemo-nos por aqui... por agora.


publicado por cachinare às 10:10
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